SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ
02/052024
Morte do segurado pela contratante impede indenização a demais beneficiários
No contrato de seguro sobre a vida, a morte do segurado causada por ato ilícito da pessoa que fez a contratação impede o recebimento da indenização securitária pelos demais beneficiários.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que os filhos de um casal não podem receber a indenização do seguro de vida do pai, cuja morte foi causada pela mãe.
A mulher, que foi condenada como mandante do assassinato, foi a pessoa que contratou o seguro de vida. A sentença criminal definitiva colocou como majorante o motivo torpe, já que o crime foi cometido para garantir o recebimento do dinheiro.
Os filhos do casal então iniciaram uma batalha jurídica para receber a verba, que seria de R$ 1,2 milhão. Em primeiro grau, o pedido foi negado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a posição para dar a eles a indenização.
O TJ-MG concluiu que a vítima era também contratante porque estava ciente da existência do seguro de vida. Essa conclusão foi afastada pela 3ª Turma do STJ, já que a ciência do segurado não o transforma em contratante.
Interesse espúrio
O que se tem é que, ao fazer a contratação, a esposa tinha a intenção de dolosa de efetivar o risco segurado. Ou seja, não havia interesse na preservação da vida do segurado, fator que torna o contrato totalmente nulo, com base no artigo 790 do Código Civil.
“Devido à nulidade, consoante consignado no item antecedente, os recorrentes – demais beneficiários do seguro – não têm direito ao recebimento da indenização securitária”, concluiu a relatora, ministra Nancy Andrighi.
A posição adotada pela 3ª Turma foi apresentada em voto inicialmente divergente do ministro Marco Aurélio Bellizze. As razões de decidir foram encampadas pela relatora, de modo que a votação acabou unânime.
Validade do contrato
Bellizze destacou que, para receber o valor do seguro, não basta que os beneficiários simplesmente não tenham participado do ato ilícito que levou à morte do segurado. O negócio jurídico precisa ser válido, o que não ocorreu no caso julgado.
O objetivo do seguro de vida é dar proteção econômica aos beneficiários, no caso de morte eventual do segurado. Ele não pode ser usado para formar patrimônio por meio do ato ilícito da contratante.
“O recebimento do capital segurado pelos demais beneficiários, que não tenham corroborado para o ato doloso, importaria na subsistência de efeitos jurídicos de um negócio jurídico maculado, desde a sua origem, por ato contrário ao Direito – no maior grau de ilicitude – praticado pela própria contratante, (no caso, pessoa diversa da do segurado), o que não se me afigura possível”, disse o ministro Bellizze.
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REsp 2.106.786
03/05/2024
Momento da entrega dos bens em consignação define natureza do crédito na recuperação do consignatário
No contrato estimatório (também chamado de “venda em consignação”), o crédito em favor do consignante surge no momento em que ele entrega os bens ao consignatário para que sejam vendidos. Desse modo, se a entrega das mercadorias foi anterior ao pedido de recuperação judicial do consignatário, mesmo que a venda tenha ocorrido depois, o crédito do consignante terá natureza concursal e se submeterá aos efeitos da recuperação.
O entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento ao recurso de um grupo empresarial em recuperação e reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou que o crédito só seria constituído no momento da venda dos produtos ou quando vencesse o prazo para sua restituição ao consignante.
As empresas do grupo disseram ter recebido revistas de várias editoras em consignação, antes do seu pedido de recuperação judicial, e informaram que aquelas não vendidas seriam devolvidas, enquanto o valor das que foram vendidas comporia o crédito concursal. Dessa forma, o grupo depositou em juízo cerca de R$ 5 milhões referentes às revistas recebidas antes do pedido de recuperação e vendidas depois.
No entanto, alguns credores consignantes discordaram, argumentando que seu crédito seria extraconcursal, já que as vendas ocorreram após o início da recuperação. O juízo de primeira instância entendeu que o crédito do consignante surge apenas com a venda dos produtos ou ao fim do prazo para devolução, decisão que foi mantida pelo TJSP.
Crédito é constituído independentemente do prazo para a contraprestação
O relator do recurso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que a ideia de crédito envolve a troca de uma prestação presente por uma futura: uma das partes cumpre uma prestação e se torna credora, concedendo à outra parte, devedora, um prazo para a contraprestação. Sendo assim, segundo o magistrado, o crédito é constituído independentemente do prazo para a contraprestação, ou seja, mesmo que esta ainda não seja exigível.
De acordo com Bellizze, na venda em consignação, o consignante, ao entregar a mercadoria, cumpre a sua prestação, assumindo a condição de credor, ocasião em que é conferido ao consignatário um prazo para cumprir com a sua contraprestação, que é pagar o preço ajustado (se ocorrer a venda) ou restituir a coisa consignada.
Portanto, o ministro afirmou que o crédito em discussão foi gerado quando as mercadorias foram entregues às empresas consignatárias, ou seja, antes do seu pedido de recuperação.
“Se, após o processamento da recuperação judicial, as mercadorias foram vendidas a terceiros, o crédito das consignantes, evidentemente, possui natureza concursal, devendo se submeter aos efeitos do plano de soerguimento das recuperandas, nos termos do que determina o artigo 49, caput, da Lei 11.101/2005“, declarou.
Leia o acórdão no REsp 1.934.930.
07/05/2024
Cobrança de taxa de conveniência é legal mesmo que o ingresso seja retirado na bilheteria do evento
Por maioria, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legal a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos para espetáculos, mesmo que o consumidor retire o ingresso na bilheteria do evento. O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que condenou uma empresa responsável pela venda de ingressos a devolver a taxa em dobro quando não houvesse a contraprestação de entrega dos ingressos aos consumidores.
O recurso teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual, que questionou a legalidade da taxa cobrada dos consumidores que retiram seus ingressos na bilheteria.
Além de afronta à jurisprudência da corte, a Quarta Turma considerou que houve julgamento extra petita por parte do tribunal fluminense, pois há diferença entre as taxas de conveniência, de retirada e de entrega, que são normalmente cobradas no mercado de intermediação e venda de ingressos para espetáculos.
São várias as taxas cobradas na venda de ingressos
Segundo a ministra Isabel Gallotti, autora do voto que prevaleceu no julgamento, a taxa de conveniência é aquela cobrada pela simples aquisição do ingresso por meio de empresa contratada e diz respeito aos custos dessa intermediação; a taxa de retirada (também chamada de will call) é cobrada quando o consumidor compra o ingresso pela internet ou por telefone, mas, em vez de imprimi-lo em casa, faz a emissão em bilheteria específica colocada à sua disposição; e a taxa de entrega é cobrada quando a pessoa opta por receber seu ingresso em casa, pelo correio ou por outro serviço de entrega.
Gallotti lembrou que a Terceira Turma, analisando caso relativo à taxa de conveniência cobrada na aquisição de ingresso pela internet, com base no que foi decidido pelo tribunal no julgamento dos Temas 938 e 958, entendeu que não há impedimento a que os custos de intermediação da venda de ingressos sejam transferidos ao consumidor, “desde que haja informação prévia acerca do preço total da aquisição, com destaque do valor”.
No caso em análise, a ministra verificou que o Ministério Público não alegou que os custos da taxa de conveniência estariam sendo omitidos dos consumidores. Ao contrário, esclareceu Gallotti, há indicação expressa no sentido de que a empresa oferecia os ingressos “sob o pagamento de valor adicional” e que estaria agregando tal valor ao dos ingressos, ainda que estes fossem adquiridos nas bilheterias.
Para a ministra, se o valor adicional é informado de maneira explícita no momento da compra do ingresso, não há como considerar que houve prática abusiva por parte da empresa.
Taxas de entrega e de retirada estão vinculadas a serviço independente
Em relação às taxas de entrega e de retirada, Gallotti lembrou que, ao contrário da taxa de conveniência, elas não configuram um simples custo de intermediação de venda, mas estão vinculadas a um serviço independente, dirigido ao consumidor que não quer ou não pode imprimir seu ingresso virtual em casa.
De acordo com a ministra, se a entrega em domicílio gera um custo para a empresa responsável pela venda dos bilhetes, a retirada de bilhetes em posto físico também acarreta custos, porque há necessidade de um local e de atendentes, além do próprio custo da impressão.
“Se há serviço disponibilizado ao consumidor, que pode optar, a seu critério, se vai imprimir seu ingresso em casa, se vai solicitar que ele seja entregue pelos correios, ou se vai preferir retirá-lo em bilheteria, e se o valor cobrado pelo serviço é acessível e claro, não há que se falar em abusividade”, concluiu.
STJ admite notificação da negativação do devedor por e-mail
Se o Judiciário admite até a efetivação de atos processuais por meio eletrônico, é razoável que permita também a comunicação remetida ao devedor sobre a negativação de seu nome, desde que comprovado o envio e entrega da mesma.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um homem que tentava evitar a negativação de seu nome por falta da devida notificação.
A inclusão no cadastro de inadimplentes foi informada pela empresa responsável por e-mail. Para o consumidor, houve violação do artigo 43, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor, que exige “comunicação por escrito”.
Por maioria de votos, a 4ª Turma decidiu validar a medida. Essa posição confronta com a forma como a 3ª Turma do STJ vem decidindo. Para aquele colegiado, a notificação deve ser feita por correspondência física, vedado o uso exclusivo de e-mail ou mensagem de texto (SMS).
Enviou, tá valendo
A posição vencedora foi proposta pela relatora, ministra Isabel Gallotti, levando em consideração o avanço tecnológico e a crescente popularização das comunicações por meio eletrônico no país.
Desde 2017, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça admite o WhatsApp como ferramenta de intimação e citação, medida que vale até mesmo para processos penais, como já decidiu o próprio STJ.
“Se admitida até mesmo a realização de atos processuais, como o cumprimento de citação e intimação, por meio eletrônico, inclusive no âmbito do processo penal, penso ser razoável admitir a validade da comunicação remetida por e-mail para fins de notificação prevista no artigo 43, parágrafo 2º, do CDC, desde que comprovado o envio e entrega da comunicação.”
A ministra Gallotti destacou no voto que a comprovação de envio e entrega de e-mail no servidor de destino é algo de fácil acesso para as empresas que mantém os cadastros de inadimplentes.
E apontou que, assim como ocorre quando a notificação é feita por correspondência física, não será necessário comprovar que a comunicação tenha sido aberta e lida pelo destinatário.
“Nesse cenário, penso que comprovado o envio e entrega de comunicação remetida ao e-mail do devedor constante da informação enviada ao banco de dados pelo credor está atendida a obrigação prevista no artigo 43, parágrafo 2º, do CDC”, disse.
“Não sendo possível comprovar a entrega do e-mail no servidor do destinatário, seja porque o endereço eletrônico não existe, a caixa do destinatário está cheia, ou qualquer outro motivo, caberá à empresa que mantém o cadastro o envio da notificação por carta pelo meio físico”, completou.
Votaram com a relatora e formaram maioria os ministros Antonio Carlos Ferreira e Raul Araújo.
E se for spam ou golpe?
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Marco Buzzi, para quem a notificação por e-mail é possível, desde que se comprove que o consumidor abriu a mensagem.
E assim deve ser porque o consumidor, parte vulnerável da relação, é bombardeado com inúmeras mensagens de e-mail, SMS e WhatsApp, muitas das quais indicativas de fraude, sendo absolutamente recomendável não as abrir.
Exatamente por isso, não seria incomum que as comunicações terminassem na caixa de spam. Assim, para validar tais notificações, o ministro Buzzi propôs requisitos.
- que o consumidor, já no momento da contratação do serviço ou aquisição do bem, seja devidamente alertado e expressamente concorde com o encaminhamento de mensagem digital/eletrônica pelo canal específico (e-mail, whatsapp, mensagem de texto [SMS], entre outros), para endereço de e-mail ou número de telefone próprio para a cobrança de valores ou comunicação, visando alertá-lo acerca de eventual inclusão de seu nome em cadastros restritivos;
- que o consumidor seja previamente informado, especialmente na hipótese de cobrança de valores ou notificação acerca da inclusão de seu nome em cadastros restritivos realizada por terceiro mandatário, qual a empresa promoverá o encaminhamento da comunicação e por qual canal específico, incluindo-se, impreterivelmente, o correspondente endereço eletrônico específico do remetente (em caso de e-mail) ou número telefônico (em caso de mensagem SMS ou whatsapp), os quais devem coincidir com aqueles informados previamente ao consumidor e previamente habilitados mediante confirmação;
- que a comunicação enviada por e-mail, whatsapp, SMS, na hipótese de se tratar da inclusão do nome do consumidor devedor em cadastros restritivos de crédito, contenha a expressão “notificação ou interpelação extrajudicial”;
- que a comunicação enviada por e-mail, whatsapp, SMS, na hipótese de se tratar da inclusão do nome do consumidor devedor em cadastros restritivos de crédito seja efetivamente recebida na caixa de entrada do e-mail ou no número de celular fornecido pelo consumidor no momento da contratação e com ciência inequívoca pelo devedor (lida), somente podendo ser presumida a efetiva entrega e leitura após tentativas frustradas, a serem realizadas com intervalo razoável
“Por fim, a comprovação de envio, entrega e leitura de e-mail no servidor de destino é algo de fácil acesso para todos, principalmente para as empresas mantenedoras de cadastro, ainda que por meio de contratação de serviço terceirizado, se necessário, não havendo, em princípio, acréscimo operacional ou de custos”, explicou.
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REsp 2.063.145
Operadora de plano odontológico privado deve se registrar no CRO da região onde atua
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que as operadoras de planos odontológicos privados devem, obrigatoriamente, registrar-se no Conselho Regional de Odontologia (CRO) da região onde estejam estabelecidas ou exerçam as suas atividades.
O caso analisado pelo colegiado teve origem em ação ajuizada pelo CRO do Espírito Santo para que uma operadora de planos odontológicos fosse obrigada a se registrar na entidade.
A decisão foi favorável ao conselho em primeiro grau e no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Para a corte, o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Odontologia têm atribuição de normatizar e fiscalizar o exercício profissional, e o registro é condição legal indispensável para as empresas que operam planos odontológicos poderem funcionar.
O TRF2 observou ainda que, mesmo que a empresa não tivesse estabelecimento físico no Espírito Santo, ela comercializava planos no estado, onde possuía 6.761 beneficiários em 2009. Portanto, para o tribunal, era necessária sua inscrição no CRO/ES, para evitar possíveis irregularidades no local onde exercia sua atividade.
Em recurso especial dirigido ao STJ, a operadora alegou que apenas reembolsa os procedimentos realizados pelos dentistas e pelas clínicas odontológicas escolhidas por seus segurados, mediante regulação em sua sede administrativa no Rio de Janeiro. Ainda segundo a recorrente, o CRO só teria competência para fiscalizar a profissão de dentista, enquanto as operadoras de planos de saúde estariam sujeitas à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Precedente do STJ considera registro obrigatório
O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, citou o precedente do STJ em que foi reconhecida a obrigatoriedade de registro das operadoras de planos odontológicos nos Conselhos Regionais de Odontologia.
No REsp 1.183.537, a Segunda Turma reconheceu que seguros de saúde são considerados planos privados de assistência à saúde, o que obriga as operadoras a seguirem as disposições da Lei 9.656/1998, entre elas a exigência de registro nos conselhos regionais.
Com base no precedente, o relator confirmou a decisão de segunda instância, acrescentando que, conforme o artigo 13, parágrafo 1º, da Lei 4.324/1964, o registro deve ser feito no CRO do estado onde a empresa exerce suas atividades, aí considerado o local onde comercializa seus planos.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2099521
12/05/2024
Teoria menor da desconsideração: apontamentos sobre o CDC na jurisprudência do STJ
A fim de garantir a satisfação de um crédito e evitar situações de abuso nas relações de consumo, a legislação brasileira estabeleceu a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.
A medida consiste em estender os efeitos das obrigações da empresa a seus sócios, permitindo que a execução de uma dívida seja redirecionada da pessoa jurídica devedora à pessoa física do sócio ou acionista. Quanto aos pressupostos de sua incidência, a teoria da desconsideração se subdivide em duas: teoria maior e teoria menor.
Como regra geral, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil. O dispositivo preceitua que a desconsideração somente pode ser autorizada mediante clara comprovação de que houve abuso da personalidade, seja por desvio de finalidade da pessoa jurídica (PJ), seja por confusão patrimonial entre os seus bens e os dos sócios.
Risco empresarial não é de quem contrata com a pessoa jurídica
De outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), no parágrafo 5º de seu artigo 28, dispõe norma que ficou conhecida como teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. O CDC admite a aplicação da medida a partir da simples demonstração do estado de insolvência da empresa ou do fato de que a personalidade jurídica representa obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados, sem que seja necessário comprovar fraude ou abuso de direito.
Para essa teoria, quem tem de suportar o risco da atividade empresarial é o empresário, e não o consumidor. A possibilidade de aplicação da teoria menor gerou controvérsias: há quem aplauda a regra e há aqueles que a contestam.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 279.273, a ministra Nancy Andrighi reconheceu a dissidência doutrinária suscitada pela inovação do parágrafo 5º do artigo 28 do CDC. Contudo, ela defendeu que o disposto no parágrafo 5º não tem relação de dependência com o caput do artigo, argumentando favoravelmente à sua aplicação, e destacou a importância da interpretação sistemática do dispositivo quando de seu emprego em casos concretos.
“A lei, aplicada com prudência, encontrará seus próprios limites por meio da atividade interpretativa dos tribunais, não sendo aconselhável que se ceife a iniciativa legislativa de plano, iniciativa essa que conferiu novos contornos ao instituto da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”, declarou Nancy Andrighi.
Aplicação da teoria menor protege interesses vulneráveis
Situações que envolvem a aplicação da teoria menor são comuns nos julgamentos do STJ, sobretudo em casos nos quais são tutelados interesses considerados especialmente vulneráveis. O entendimento pela teoria menor costuma ser adotado com o objetivo de proteger direitos de indivíduos e grupos sociais envolvidos em relações jurídicas assimétricas – caso da relação de consumo.
No já mencionado REsp 279.273, fixou-se a compreensão de que a teoria menor da desconsideração, acolhida excepcionalmente no direito do consumidor e no direito ambiental, deve incidir com a mera prova de que a pessoa jurídica não pode pagar suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
REsp 279.273
Ministra Nancy Andrighi
Entendimento semelhante foi adotado no julgamento do AREsp 823.555, da Quarta Turma. Para o relator, Antonio Carlos Ferreira, nas relações de consumo, é possível haver a desconsideração da personalidade jurídica quando esta representar simples obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos do artigo 28 do CDC.
O AREsp 1.560.415, também da Quarta Turma, relatado pelo ministro Marco Buzzi, reforçou o entendimento jurisprudencial da corte no sentido de que a aplicação da teoria menor da desconsideração é justificada pelo mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo à reparação dos danos causados ao consumidor.
Responsabilização pessoal vincula-se à prática de atos de gestão
Alguns julgados da corte discutem os limites da responsabilização, como o REsp 1.900.843, da Terceira Turma. De acordo com o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cujo entendimento prevaleceu no acórdão, apesar de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da teoria menor, o parágrafo 5º do artigo 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem, embora seja sócio, não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que tenha contribuído, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.
Se, por um lado, os sócios que não tenham praticado atos de gestão não podem ser responsabilizados pela teoria menor, por outro, gestores que não integrem o quadro societário da empresa também não. A tese foi fixada pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.862.557, também em acórdão de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Com base em lições doutrinárias, o relator concluiu que somente seria possível responsabilizar o administrador não sócio por incidência da teoria maior, especificamente quando houvesse comprovado abuso da personalidade jurídica.
“O parágrafo 5º do artigo 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor”, afirmou Cueva.
De forma parecida, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.860.333, de relatoria do ministro Marco Buzzi, entendeu que, ao contrário do que acontece com a teoria maior, a menor não admite a extensão de responsabilidade pessoal a administradores que não integrem o quadro societário de uma empresa, por ausência de previsão legal expressa.
Tipo societário é irrelevante para aplicação da teoria menor
Ao julgar o AREsp 1.811.324, a Quarta Turma decidiu que o tipo societário da empresa não é fator determinante para a aplicabilidade da teoria menor. O precedente estabelecido pelo colegiado foi citado pelo ministro Cueva quando do julgamento do REsp 2.034.442, ao admitir a desconsideração da personalidade jurídica de sociedades anônimas, desde que seus efeitos se limitem às pessoas que detenham efetivo controle sobre a gestão da companhia.
Embora admitida a aplicação da teoria menor para fins de desconsideração da personalidade jurídica de sociedades anônimas, seus efeitos estarão sempre restritos aos acionistas que detêm efetivo poder de controle sobre a gestão da companhia, dispensadas, sob a disciplina dessa específica teoria, a comprovação de abuso da personalidade jurídica ou a prática de ato ilícito, infração à lei ou ao estatuto social.
REsp 2.034.442Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
A desconsideração da personalidade de sociedade cooperativa foi o tema do julgamento do REsp 1.766.093, em que se discutiu o cabimento da medida contra membros do conselho fiscal da entidade. Relator do voto prevalente no julgamento, o ministro Cueva entendeu que não era possível responsabilizar as duas recorrentes sem que houvesse a mínima presença de indícios de que tivessem contribuído, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração.
A recorrência do tema nos julgados do tribunal levou à publicação da edição 162 de Jurisprudência em Teses, com o título Direito do Consumidor – VI. A ferramenta seleciona e apresenta a interpretação do STJ sobre assuntos específicos, citando os precedentes mais recentes da corte.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 279273REsp 1900843REsp 1862557REsp 1860333AREsp 1811324REsp 2034442REsp 1766093
13/05/2024
Calouro pode pagar mais do que veterano, desde que faculdade prove aumento de custos
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é lícito às faculdades cobrarem mensalidades mais altas dos calouros, em comparação com as dos alunos veteranos, desde que comprovem aumento de custos decorrente de alterações no método de ensino.
Por maioria de votos, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que havia determinado a uma faculdade de Brasília que cobrasse de um grupo de alunos do primeiro semestre de medicina a mesma mensalidade estipulada para os veteranos do curso. O TJDFT também determinou que a instituição devolvesse a diferença paga a mais pelos calouros.
No voto acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro Moura Ribeiro explicou que, conforme destacado na sentença que julgou improcedentes os pedidos dos calouros, o curso de medicina da faculdade foi remodelado, com a introdução de métodos considerados mais adequados.
Segundo o ministro, a cobrança de valor adicional nas mensalidades deve ocorrer apenas nos períodos que guardem relação com o aumento de custos e deve ser proporcional a este, nos termos do artigo 1º, parágrafo 3º, da Lei 9.870/1999.
Autores não questionaram julgamento antecipado do processo
Divergindo da relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi – para quem os autos deveriam retornar à instância de origem para apurar se as provas documentais comprovavam o aumento de custos –, o ministro Moura Ribeiro apontou que os alunos se manifestaram nos autos, em réplica, sobre os documentos juntados pela faculdade em relação ao preço das mensalidades.
Segundo Moura Ribeiro, o juízo de primeiro grau entendeu que a solução do caso não exigia a produção de outras provas e, por isso, determinou a conclusão dos autos para sentença, não tendo os autores da ação questionado o julgamento antecipado.
“Não seria o caso de retorno dos autos para apurar as planilhas e os documentos que justificariam cobrança de mensalidade a maior dos calouros, autores da ação, ressaltando que no momento oportuno quedaram-se inertes”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.
Leia o acórdão no REsp 2.087.632.
CDC é inaplicável a concessionária que questionou descontos em conta para amortização de dívida da controladora
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em ação proposta por uma concessionária de energia em razão dos descontos que o banco fez em suas contas para quitar dívida da sociedade controladora. Para o colegiado, não houve demonstração de vulnerabilidade que permitisse reconhecer à concessionária a condição de consumidora, especialmente considerando que ela integra grupo econômico de grande porte.
No processo, a concessionária – integrante de um conglomerado de energia – pediu que o banco devolvesse os valores utilizados para amortização de dívidas da sua controladora, e que fosse impedido de fazer movimentações semelhantes nas suas contas.
Os pedidos foram julgados improcedentes em primeiro grau, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) manteve a sentença. Para o tribunal, operações desse tipo foram realizadas durante anos com autorização da concessionária, de modo que a ação judicial evidenciaria um comportamento contraditório. O TJMT também concluiu que o CDC não seria aplicável ao caso, que envolve empréstimo tomado para fomento de atividades empresariais.
No recurso especial, a concessionária alegou ao STJ, entre outros pontos, que haveria uma relação de consumo, pois ela estaria em situação de vulnerabilidade diante da instituição financeira – tanto quanto qualquer pessoa natural que tivesse dinheiro aplicado no banco.
Operações bancárias eram recorrentes e autorizadas pelas empresas do grupo
O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, explicou que a chamada teoria finalista considera consumidor o destinatário fático ou econômico de produtos ou serviços. Segundo ele, o STJ adota a teoria finalista mitigada, que também trata como relação de consumo a situação em que uma empresa adquire produtos ou serviços como parte de suas atividades empresariais, desde que ela demonstre vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional diante da fornecedora – o que permite a aplicação das normas protetivas do CDC.
No caso dos autos, segundo Antonio Carlos Ferreira, as características dos negócios realizados pelo grupo econômico integrado pela concessionária não autorizam o reconhecimento de qualquer tipo de vulnerabilidade que indique uma relação de consumo. As operações financeiras, destacou o relator, configuram aquisição de serviços destinados à atividade econômica, ou seja, estão inseridas no fluxo empresarial da sociedade.
Além de apontar o porte do grupo econômico e o valor das obrigações envolvidas no caso (cerca de R$ 200 milhões), o ministro ressaltou que, de acordo com as informações do processo, as empresas do conglomerado, durante anos, autorizaram o banco a resgatar aplicações e transferir os recursos para cobrir dívidas da controladora. Na avaliação do relator, não é possível reconhecer, “por nenhum viés, que exista algum tipo de vulnerabilidade que autorize a incidência do Código de Defesa do Consumidor”.
Fornecimento de medicação para atrofia muscular espinhal é um dos temas da nova Pesquisa Pronta
A página da Pesquisa Pronta divulgou dois entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição aborda, entre outros assuntos, a obrigação de plano de saúde de fornecer medicamento indicado para tratamento de atrofia muscular espinhal.
O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).
Direito administrativo – Direito à saúde
Atrofia muscular espinhal (AME). Medicamento indicado para o tratamento. Pretensão de cobertura pelo plano de saúde ou fornecimento pelo Estado.
“[…] ‘Nos termos da jurisprudência desta corte, revela-se abusivo o preceito excludente do custeio, pelo plano de saúde, dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clínico ou do procedimento cirúrgico ou de internação hospitalar relativos à doença coberta’ […]. Nos termos do Parecer Técnico 1/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021, ‘Em conformidade com artigo 12, inciso II, alínea ‘d’, da Lei 9.656/1998, o medicamento Nusinersena é de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde quando prescrito pelo médico assistente para administração em internação hospitalar, nos planos de segmentação hospitalar (com ou sem obstetrícia) e nos planos referência’. […] Ademais, ‘Diante do registro em território nacional, com o que se dá a nacionalização do fármaco, ressai estabelecida, assim, a obrigação da operadora em fornecer o fármaco Spinraza (Nusinersen), mostrando-se abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde o custeio dos meios necessários ao melhor desempenho do tratamento’ […] Hipótese na qual o medicamento foi prescrito para o tratamento de criança com Atrofia Muscular Espinhal (AME), sendo obrigatória a cobertura pelo plano de saúde, conforme orientação da ANS.”
AgInt no REsp 2.072.383/SP, relator ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 19/4/2024.
Direito processual civil – Aplicação da norma processual
Sistema de Precedentes. Alcance da Interpretação do artigo 489, §1º, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015.
“Inexiste violação dos artigos 489 e 1.022 do CPC/2015 quando o tribunal de origem externa fundamentação adequada e suficiente à correta e completa solução da lide, como na hipótese. […] Esta Casa de Justiça possui entendimento de que ‘a regra do artigo 489, § 1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou aos precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos’. […]”
AgInt no REsp 2.099.200/RJ, relator ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 19/4/2024.
Pessoa com Alzheimer tem direito à isenção de IR quando doença causa alienação mental
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que a pessoa com o mal de Alzheimer tem direito à isenção do Imposto de Renda (IR) quando a doença resulta em alienação mental.
O entendimento foi aplicado em ação ajuizada por uma servidora pública aposentada do Distrito Federal, à época com 79 anos de idade, para a devolução do IR pago desde julho de 2019, em razão de ser portadora de Alzheimer.
O pedido foi julgado procedente em primeiro grau, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Segundo o tribunal, embora a doença não esteja especificada no artigo 6º da Lei 7.713/1988 ou no artigo 39 do Decreto-Lei 3.000/2009, ela causa alienação mental, o que justifica a isenção do tributo.
Em recurso especial, o Distrito Federal alegou que o TJDFT, mesmo tendo reconhecido a tese firmada pelo STJ no REsp 1.116.620 (Tema 250), não aplicou corretamente a Lei 7.713/1998.
Alzheimer não está prevista na Lei 7.713/1988, mas pode causar alienação mental
O ministro Benedito Gonçalves, relator do recurso no STJ, explicou que a Primeira Seção, no REsp 1.814.919 (Tema 1.037), estabeleceu que a isenção do IR prevista no artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 só alcança os portadores das moléstias elencadas no dispositivo. E, no REsp 1.116.620, a seção considerou taxativo o rol das doenças fixado pelo mesmo dispositivo da Lei 7.713/1988.
Segundo o relator, o artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 define como isentos de IR os proventos de aposentadoria recebidos pelos portadores de alienação mental, mas não faz referência específica ao mal de Alzheimer.
Contudo, Benedito Gonçalves destacou que, como a doença pode causar alienação mental, a Primeira Turma do STJ decidiu, no REsp 800.543, pela possibilidade de as pessoas com Alzheimer terem direito à isenção, na hipótese em que ocorrer a alienação mental.
“No caso, não há como se rever o acórdão recorrido, pois eventual conclusão pela inexistência de alienação mental dependeria da produção de prova, providência inadequada na via do recurso especial, consoante enuncia a Súmula 7 do STJ”, concluiu o ministro.
Simples demora no atendimento bancário não gera dano moral presumido, define STJ em repetitivo
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.156), estabeleceu a tese de que o simples descumprimento do prazo fixado em legislação específica para a prestação de serviço bancário não gera dano moral presumido (in re ipsa).
Com o julgamento – definido por maioria de votos –, poderão voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos à espera do precedente qualificado.
O dano moral presumido é aquele que dispensa comprovação, o que, para o STJ, não se aplica à demora em fila de banco. “Não se nega a possibilidade de abuso de direito (artigo 186 do Código Civil de 2002) na prestação do serviço bancário, o qual deve ser analisado a partir das circunstâncias fáticas concretas, não bastando a simples alegação de que existe lei municipal estabelecendo tempo máximo de espera em fila de banco, tendo em vista a necessidade de verificação da existência de dano efetivo para a concessão de indenização”, afirmou o relator do recurso especial, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
A análise do repetitivo contou com a participação, como amici curiae, da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e da Defensoria Pública do Paraná.
Em IRDR, TJGO entendeu que a demora geraria dano moral presumido
O recurso analisado pela Segunda Seção teve origem em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) julgado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). A corte de segundo grau entendeu que a demora excessiva no atendimento bancário, quando não observados os prazos previstos em lei municipal, configuraria dano moral por defeito na prestação do serviço oferecido ao consumidor, cujo prejuízo seria presumido.
Segundo o TJGO, o descumprimento do prazo para atendimento geraria a perda do tempo útil do consumidor, circunstância suficiente para configurar o dano moral in re ipsa.
É preciso provar leniência do banco e nexo entre demora e prejuízo ao consumidor
O ministro Cueva explicou que, embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não tenha disciplinado o tempo de espera em instituições bancárias, vários municípios brasileiros editaram leis nesse sentido, com tempo máximo de espera que costuma variar entre 15 e 40 minutos. Segundo o relator, em geral essas leis consideram que o desrespeito ao tempo máximo de espera configura infração administrativa, passível de multa e outras penalidades, tais como advertência e suspensão do alvará de funcionamento.
Para o ministro, é inegável que o tempo é um recurso valioso, de modo que a sua perda por motivo injustificável e ilegítimo pode resultar na configuração de ato ilícito, desde que haja a comprovação “da postura leniente do fornecedor de serviços e do nexo causal entre esta e o efetivo prejuízo causado ao consumidor”.
Em outro sentido, Villas Bôas Cueva citou jurisprudência do STJ segundo a qual a condenação por dano moral, em casos que não afetem interesses existenciais que mereçam proteção judicial, prejudica o exercício e o custo da atividade econômica, causando prejuízos, em último grau, ao próprio consumidor (REsp 1.406.245).
Admissão de dano presumido resultaria em onda de ações no Judiciário
Na visão do ministro, o simples transcurso do tempo, por si só, não gera uma obrigação de ressarcimento por danos morais, por não configurar prática abusiva autônoma apta a autorizar compensação em dinheiro, nos moldes propostos pela teoria do desvio produtivo, segundo a qual o tempo útil seria uma espécie de direito de personalidade irrenunciável do indivíduo.
De acordo com o relator, é papel do consumidor que espera atendimento em banco demonstrar qual é, efetivamente, o prejuízo que está sofrendo e se não seria possível buscar alternativas para a solução da demanda, a exemplo de caixas eletrônicos e serviços bancários pela internet.
Para o ministro, admitir o dano presumido nas diversas hipóteses em que é possível a demora no atendimento bancário representaria uma onda de ações judiciais em prol do suposto direito à melhor utilização do tempo livre, “algo extremamente pessoal e que depende de análise acerca da extensão do dano (artigo 944 do CC/2002)”.
“A mera alegação genérica de que se está deixando de cumprir compromissos diários, profissionais, de lazer e de descanso, sem a comprovação efetiva do dano, possibilita verdadeiro abuso na interposição de ações por indenização em decorrência de supostos danos morais”, concluiu o ministro a fixar a tese repetitiva.
Terceira Turma isenta hotel de indenizar por homicídio cometido por hóspede em suas dependências
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a proprietária de um estabelecimento de hospedagem em Erebango (RS) não tem responsabilidade civil pelo homicídio cometido por um hóspede contra outro no local. Para os ministros, ainda que prevista no Código Civil, a responsabilidade dos hotéis por atos praticados por seus hóspedes não é automática, mas depende de haver relação entre o dano e os riscos inerentes à atividade do estabelecimento.
No caso, um hóspede matou outro após uma discussão por causa de bebida. Ele estava com uma arma de fogo e disparou contra a vítima dentro do estabelecimento onde ambos estavam hospedados. Após a condenação do autor do homicídio, os familiares da vítima, que também estavam hospedados no local, ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o criminoso e contra a proprietária do hotel.
O juízo de primeiro grau reconheceu a responsabilidade objetiva da dona do estabelecimento, ao fundamento de que ela não zelou adequadamente pela segurança dos clientes, pois permitiu que um hóspede entrasse armado nas suas dependências. Contudo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) afastou essa responsabilidade ao reconhecer a culpa exclusiva de terceiro.
Teoria do risco integral deve ser adotada em casos excepcionais
Segundo o ministro Moura Ribeiro, autor do voto que prevaleceu no julgamento da Terceira Turma, o artigo 932 do Código Civil consagra hipóteses de responsabilidade civil por atos praticados por terceiros, entre elas a dos donos de “estabelecimentos onde se albergue por dinheiro”.
Para o ministro, contudo, o alcance dessa norma deve ser repensado, principalmente após a vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabeleceu a responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores em relação aos danos que tenham por causa o fato do serviço, e não o fato de terceiros.
“Conquanto os donos dessa espécie de atividade comercial sejam responsáveis pela segurança física e patrimonial dos seus hóspedes, a extensão dessa obrigação deve depender do contexto específico de cada caso, sob pena de se admitir a responsabilidade pelo risco integral desse ofício”, disse.
Moura Ribeiro lembrou que a teoria do risco integral é adotada no ordenamento jurídico brasileiro apenas em casos excepcionais, de atividades potencialmente perigosas, ou seja, aquelas que apresentam probabilidade elevada de ocasionar danos a terceiros – por exemplo, um dano nuclear ou dano ambiental.
Fato estranho à atividade desenvolvida pelo fornecedor
Na sua avaliação, o risco assumido por um empresário no desenvolvimento de sua atividade é somente aquele que, por sua natureza, decorra do exercício do negócio, isto é, o risco decorrente dos meios normais de exercício da atividade. “Logo, quando o acontecimento é estranho e externo, sem vínculo com o negócio em si, não é possível a responsabilização”, ponderou.
Na hipótese em análise, o ministro afirmou que não é possível considerar como “própria” à atividade de um parque aquático que faz locação de chalés e cabanas a tutela dos hóspedes quanto ao risco de lesão física por eventuais condutas advindas de outro hóspede.
Para o magistrado, o estabelecimento foi “palco de uma conduta imprevisível e despropositada”, totalmente alheia ao negócio de hospedagem. De acordo com Moura Ribeiro, a atividade desenvolvida pelo estabelecimento não criou esse risco nem foi causa para a prática do ato ilícito.
Dessa forma, o ministro reconheceu o fortuito externo e entendeu pela aplicação da excludente do nexo de causalidade prevista no artigo 14, parágrafo 3º, II, do CDC, uma vez que a causa do evento danoso foi um fato completamente estranho à atividade do fornecedor do serviço.
Terceira Turma reconhece litispendência entre ação de nulidade e impugnação ao cumprimento de sentença arbitral
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reconheceu a litispendência entre uma ação declaratória de nulidade de sentença arbitral e a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral na qual foi pleiteada a nulidade do mesmo título.
Segundo o colegiado, a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não se limita às matérias de defesa previstas no artigo 525, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), sendo possível também requerer a decretação de nulidade da sentença arbitral, como prevê expressamente o artigo 33, parágrafo 3º, da Lei 9.307/1996.
TJRJ havia concluído pela impossibilidade de litispendência entre as duas ações
No caso em julgamento, uma empresa de rastreamento moveu ação anulatória de sentença arbitral contra uma empresa de consultoria, alegando violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, além de sustentar que nunca foi notificada sobre o início do procedimento arbitral. No mesmo dia, a empresa também apresentou, sob os mesmos argumentos, uma impugnação ao cumprimento da sentença arbitral nos autos do processo movido pela empresa de consultoria.
Após o juízo de primeiro grau acolher a preliminar de litispendência e extinguir a ação anulatória, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concluiu pela impossibilidade de litispendência entre as duas ações, sob o fundamento de que a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não constitui uma ação de conhecimento, sendo apenas um meio de defesa, cujos assuntos se limitam ao disposto no parágrafo 1º do artigo 525 do CPC.
Ao STJ, a empresa de consultoria alegou que ambos os procedimentos têm a mesma finalidade, não havendo sentido em se aceitar a propositura de ambos. Sustentou também que, reconhecida a litispendência, deveria ser extinta a ação mais recente – no caso, a ação anulatória (artigo 485, inciso V, do CPC).
Impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não se limita às matérias do artigo 525 do CPC
A ministra Nancy Andrighi, relatora, observou que a impugnação ao cumprimento de sentença tem escopo mais restrito do que uma ação de conhecimento, limitando-se às questões estipuladas no artigo 525, parágrafo 1º, do CPC. Contudo, a relatora ressaltou que, na impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, é viável pleitear a declaração de nulidade da sentença arbitral (artigo 33, parágrafo 3º, da Lei 9.307/1996) – o que também pode ser feito por meio de ação autônoma, conforme estipulado no parágrafo 1º do dispositivo.
Na hipótese do parágrafo 3º, a relatora explicou que a impugnação não vai atacar apenas a execução, mas também a sentença arbitral propriamente dita, que será objeto do pedido de declaração de nulidade a ser apreciado pelo juízo. “Desse modo, o mesmo pedido, sob a mesma causa de pedir, pode ser formulado tanto na ação declaratória de nulidade quanto na impugnação ao cumprimento de sentença arbitral”, declarou.
Nesse contexto, a ministra apontou que, dada a possibilidade de ambas as demandas coexistirem, não se pode descartar que, em uma determinada situação concreta, elas sejam total ou parcialmente idênticas, configurando litispendência, o que acarretaria a extinção sem resolução de mérito do processo que foi instaurado posteriormente.
“A consequência da litispendência resultante da instauração do primeiro processo é apenas a extinção do segundo. Assim, o ajuizamento da presente ação declaratória de nulidade de sentença arbitral apenas impede que idêntica pretensão seja posteriormente formulada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença“, concluiu.
Leia o acórdão no REsp 2.105.872.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2105872
27/05/2024
STJ reconhece que pagamento direto do FGTS foi eficaz, mas assegura à União cobrança de outras parcelas
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.176), reconheceu a eficácia dos pagamentos a título de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) feitos diretamente ao empregado após a publicação da Lei 9.491/1997, em decorrência de acordos homologados na Justiça do Trabalho. Embora tais pagamentos diretos contrariem a legislação em vigor, o colegiado entendeu que não há como desconsiderar que eles foram amparados em acordos homologados pelo juízo trabalhista.
No mesmo julgamento, a Primeira Seção garantiu à União e à Caixa Econômica Federal (CEF) a possibilidade de cobrarem do empregador todas as parcelas que deveriam ser incorporadas ao fundo, como multas, correção monetária, juros e contribuições sociais – parcelas que não pertencem ao trabalhador e que ficaram fora do acordo na Justiça do Trabalho.
Com a fixação da tese repetitiva, poderão voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial, no STJ ou na segunda instância, que estavam suspensos à espera da definição do precedente qualificado.
Acordos são homologados na Justiça por decisão irrecorrível
O ministro Teodoro Silva Santos, relator, explicou que a Lei 8.036/1990, em sua redação original, previa o pagamento de algumas parcelas integrantes do FGTS diretamente ao trabalhador, a exemplo do depósito do mês da rescisão e da indenização de 40% do fundo, no caso de demissão sem justa causa. No entanto, a Lei 9.9491/1997 alterou o artigo 18 da Lei 8.036/1990 para determinar que todas as quantias devidas pelo empregador fossem depositadas na conta vinculada do empregado.
Segundo o ministro, ainda que a lei dispusesse claramente sobre a necessidade de depósito de todas as parcelas devidas do FGTS na conta vinculada, houve muitos acordos em processos trabalhistas que estabeleceram o pagamento direto para o trabalhador, e tais acordos muitas vezes não eram comunicados à CEF, o que levava à proposição de execução fiscal contra o empregador para cobrança do fundo.
“Embora realizado em termos contrários ao que dispõe a legislação de regência, não se pode desconsiderar que o acordo foi submetido ao crivo do Judiciário”, afirmou o relator, lembrando que a decisão homologatória do acordo é irrecorrível (artigo 831, parágrafo único, da CLT) e faz coisa julgada material, sujeitando-se apenas à ação rescisória (Súmula 259 do Tribunal Superior do Trabalho), cuja apreciação compete à própria Justiça do Trabalho.
Para ele, não cabe à Justiça Federal nem ao STJ, “à míngua de competência jurisdicional para tanto”, no julgamento de embargos à execução fiscal, ação anulatória, ação declaratória da inexistência do débito ou de qualquer outra via processual, adentrar no mérito da decisão homologatória para corrigi-la ou desconsiderá-la e assim reconhecer a ineficácia do pagamento feito em desacordo com a determinação legal.
União e CEF não participaram do acordo trabalhista e não podem ser prejudicadas
O ministro declarou que esse cenário não afasta a obrigatoriedade do pagamento, pelo empregador, das parcelas do FGTS que devem ser incorporadas ao fundo e que não pertencem ao trabalhador, como multas, correção monetária e juros moratórios, além da contribuição social decorrente da demissão sem justa causa – inclusive porque o titular do crédito (União) e o agente operador do fundo (CEF) não participaram da celebração do acordo na Justiça do Trabalho, não podendo ser prejudicados pelo acerto entre patrão e empregado.
“Destarte, embora não se possa negar, no âmbito da Justiça Federal, a eficácia aos pagamentos homologados pelos magistrados trabalhistas sem prévio corte rescisório do decisum pela própria Justiça especializada, ressalva-se a cobrança das parcelas não alcançadas pelo acordo celebrado e, portanto, não acobertadas pela coisa julgada“, concluiu o ministro.
Potencial risco à saúde exige que consumidor seja informado sobre presença de bisfenol em produtos
O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamente a obrigação de os fabricantes informarem, de maneira explícita, sobre a presença do composto bisfenol A (BPA) nas embalagens e nos rótulos dos produtos que contenham a substância.
O bisfenol A é um composto muito utilizado na fabricação de produtos como utensílios de plástico para cozinha, brinquedos e embalagens. Segundo o ministro, a própria Anvisa já reconheceu o potencial tóxico e lesivo da substância em embalagens e outros objetos que têm contato com alimentos, tanto que estabeleceu limites para sua utilização e a proibiu em produtos destinados à nutrição de bebês (como mamadeiras).
“Não basta que a população tenha informações públicas e genéricas, por meio da mídia, sobre os malefícios causados pelo bisfenol A (BPA). É imperioso que o consumidor tenha conhecimento real e efetivo de todos os produtos que contenham essa substância, para que esteja em condições de avaliar concretamente os potenciais riscos do seu consumo. Sem tais esclarecimentos, as pessoas acabam por comprá-los e usá-los sem ter a menor ideia de que contêm elementos que, mesmo em pequenas doses, podem ser extremamente prejudiciais à saúde”, afirmou o ministro.
O caso analisado teve origem em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a Anvisa. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) afirmou que a inexistência de certeza científica sobre o risco do bisfenol para a saúde tornaria desnecessária a informação ostensiva sobre os males potencialmente causados pelo seu consumo.
Apenas com informação consumidor pode se proteger contra riscos do produto
O ministro Herman Benjamin lembrou que o direito à informação, assim como à proteção da saúde, tem natureza constitucional e está previsto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A informação, apontou o relator, é o que possibilita ao consumidor exercer sua liberdade na compra de produtos e serviços, bem como utilizá-los com segurança e de acordo com os seus interesses.
“Só o consumidor bem informado consegue de fato usufruir integralmente dos benefícios econômicos que o produto ou serviço lhe proporciona e proteger-se de forma conveniente dos riscos que apresenta. Por esse último aspecto (proteção contra riscos), a obrigação de informar deriva da obrigação de segurança, que, modernamente, por força de lei ou da razão, se põe como pressuposto para o exercício de qualquer atividade profissional no mercado de consumo”, resumiu.
Herman Benjamin destacou que, conforme previsão do artigo 31 do CDC, o direito à informação se desdobra em quatro categorias principais, todas interrelacionadas e cumulativas: informação-conteúdo (características intrínsecas do produto ou serviço), informação-utilização (finalidade e utilização do item), informação-preço (custo, formas e condições de pagamento) e informação-advertência (especialmente os riscos da utilização).
Mesmo em pequenas quantidades, bisfenol preocupa comunidade científica
Segundo o ministro, a toxicidade e a nocividade do bisfenol A tem sido objeto de estudos pela comunidade científica internacional, havendo grande preocupação em relação aos seus efeitos sobre a saúde humana, mesmo em pequenas quantidades.
Por outro lado, Herman Benjamin comentou que a ausência de comprovação cabal sobre os perigos da substância não justifica o cerceamento do direito à informação, pois, nos termos do artigo 9º do CDC, a mera potencialidade do risco à saúde impõe o dever de informar corretamente a esse respeito.
“Além disso, é igualmente descabido o argumento de que o desconhecimento técnico da população sobre componentes químicos e a incerteza da ciência das pessoas acerca da toxicidade da substância e/ou do eventual risco de contaminação dispensariam a informação aos consumidores. Isso porque estes têm o direito subjetivo de ter acesso a tudo que seja relevante sobre o produto consumido, senão nenhum outro componente químico precisaria constar das embalagens”, concluiu o ministro.
Repetitivo discute se habilitação de sucessores da parte falecida no processo está sujeita à prescrição
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça afetou os Recursos Especiais 2.034.210, 2.034.211 e 2.034.214, de relatoria do ministro Humberto Martins, para julgamento pelo rito dos repetitivos.
A controvérsia, cadastrada como Tema 1.254, está em definir se “ocorre ou não a prescrição para a habilitação de herdeiros ou sucessores da parte falecida no curso da ação”.
O colegiado determinou a suspensão da tramitação dos processos, individuais ou coletivos, que tratem da mesma questão jurídica, nos quais tenham sido interpostos recurso especial ou agravo em recurso especial e que estejam em segunda instância ou no STJ.
Ausência de previsão legal para a habilitação dos sucessores
No REsp 2.034.210, a Universidade Federal do Ceará recorre de decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que manteve a habilitação de um sindicato como sucessor de uma servidora para requerer o recebimento de crédito concedido a ela em primeira instância. A servidora faleceu no curso do processo de conhecimento, antes da fase de execução.
Para a recorrente, a pretensão executória estaria prescrita, porque o sucessor deveria ter requerido sua habilitação em até cinco anos após o trânsito em julgado da sentença exequenda, havendo também transcorrido o mesmo prazo prescricional desde a expedição da requisição de pagamento.
O ministro Humberto Martins explicou que o TRF5 fundamentou sua decisão no fato de que a morte de uma das partes leva à suspensão do processo, razão pela qual, na ausência de previsão legal sobre prazo para a habilitação dos respectivos sucessores, não há prescrição intercorrente.
De acordo com o relator, a matéria tem potencial de multiplicidade: foram localizados 37 acórdãos e 1.939 decisões monocráticas proferidas por ministros da Primeira e da Segunda Turmas a respeito de questão semelhante.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF
10/05/2024
STF invalida decisão sobre número ilimitado de sindicalistas com estabilidade no Piauí
Ministro Dias Toffoli afirmou que decisão do TRT-22 violou o entendimento do Supremo, que considerou válido limite de sindicalistas com direito à estabilidade.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-22), sediado em Teresina (PI), que permitiu a um sindicato de trabalhadores ter um número de membros para desempenho de atividades sindicais acima do limite legal.
No caso, o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina (Setut) solicitou ao Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte Rodoviário do Estado do Piauí (Sintreto) a indicação de quais membros de uma diretoria composta por 50 integrantes seriam detentores de proteção contra demissão imotivada. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) limita esse número a sete dirigentes sindicais e igual número de suplentes. O Sintreto indicou que todos os 50 teriam direito à estabilidade.
Ao julgar ação da Setut, a primeira instância obrigou o sindicato dos trabalhadores a indicar expressamente os titulares e suplentes que gozam de estabilidade sindical. No entanto, o TRT-22 derrubou essa decisão, alegando vedação de interferência judicial na organização sindical.
Entendimento do STF
O ministro Dias Toffoli destacou que a decisão do TRT-22 violou o decidido pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 276. Na ocasião, o Plenário assentou a recepção do artigo 522 da CLT que dispõe sobre o número máximo de dirigentes sindicais detentores da garantia de estabilidade de emprego estabelecida na Constituição Federal (inciso VIII do artigo 8º).
O relator lembrou, ainda, que o STF considerou que a limitação numérica da estabilidade dos dirigentes sindicais não afeta o conteúdo da liberdade sindical por não gerar restrição à atuação e à administração da entidade sindical.
Estabilidade ilimitada
Para o ministro Dias Toffoli, a medida, além de evitar a criação de situações de estabilidade genérica e ilimitada que conduziriam ao esvaziamento do direito do empregador de promover a extinção do contrato sem justa causa, “prestigia os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica”.
Com isso, o ministro determinou que o TRT-22 profira nova decisão, respeitando o entendimento firmado na ADPF 276. A decisão foi tomada na Reclamação (RCL) 65626.
RP/CR//AL
17/05/2024
STF abre prazo para Poderes discutirem solução consensual sobre desoneração da folha
Na decisão, ministro Cristiano Zanin mantém a validade da lei. Congresso e Executivo devem deliberar sobre o tema até junho.
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 60 dias, contados a partir de 25/4, para que o Congresso Nacional e o Executivo busquem uma solução consensual sobre a desoneração da folha de pagamento. Com isso, fica mantida, neste prazo, a possibilidade de substituir a contribuição previdenciária dos empregados por um percentual do faturamento, entre outros pontos.
Depois do período estipulado, o ministro vai reavaliar a questão. Em 25/4, Zanin suspendeu a validade da lei que estendia até 2027 a desoneração na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633, ajuizada pelo governo federal.
A nova decisão foi tomada nesta sexta-feira (17), após o Congresso Nacional concordar com a sugestão do Executivo de discutir um novo projeto de lei.
Ao analisar o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), Zanin observou que o Executivo e o Legislativo demonstraram engajamento no diálogo institucional para resolver o impasse envolvendo o benefício. A seu ver, a nova negociação entre os Poderes é medida eficiente para superar ou atenuar o conflito discutido na ação apresentada ao STF. “A busca pela solução dialogada favorece a realização do princípio democrático, permitindo-se que diversos atores participem do processo decisório, com valiosas contribuições à jurisdição constitucional”, assinalou.
Caso não haja acordo após os 60 dias fixados pelo ministro, voltarão a valer os efeitos da liminar que suspendeu a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos até 2027.
A decisão será levada a referendo do Plenário na sessão virtual marcada para a próxima sexta-feira (24).
Referendo
Na sessão virtual finalizada em 4/6, os ministros referendaram a decisão de Zanin.
Leia a íntegra da decisão.
PN/CR//CF
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=537766&ori=1
27/05/2024
Solidariedade questiona no STF mudanças no marco regulatório de transporte de passageiros
Partido alega que a Agência Nacional de Transporte Terrestres extrapolou sua competência ao editar resolução para definir regras para o mercado
O Solidariedade questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) trechos da resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que criou um novo marco regulatório no transporte rodoviário interestadual de passageiros e da lei que alterou a legislação sobre estruturação do setor no país. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7652) está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.
O partido alega que as mudanças (introduzidas pela Resolução 6.033/2023 e pela Lei 14.298/2022) extrapolam as competências constitucionais da ANTT e violam a ampla concorrência. Uma das novidades foi a determinação de critérios de viabilidade técnica, operacional e econômica antes da autorização para a empresa ingressar no mercado de transporte de passageiros.
Para o Solidariedade, essas exigências não se encaixam no modelo de autorização, em que o setor está incluído, e sim no modelo de concessão. “Os ‘requisitos relacionados à acessibilidade, à segurança e à capacidade técnica, operacional e econômica da empresa’ não podem ser regulados pelo Poder Executivo de modo a violar as liberdades tarifária e de itinerário das empresas autorizadas”, diz o partido.
PN/AS//CF
Processo relacionado: ADI 7652
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=541317&ori=1
STF julga falta de regulamentação do adicional de penosidade
O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a discutir, na última sexta-feira (24/5), se há omissão do Congresso em regulamentar o direito dos trabalhadores urbanos e rurais ao adicional de penosidade. O término do julgamento virtual está previsto para o dia 4/6.
O adicional de remuneração para “atividades penosas” está previsto no inciso XXIII do artigo 7º da Constituição, mas sua implementação depende de regulamentação por lei, o que não aconteceu até hoje.
O trecho da Constituição de 1988 estabelece que os trabalhadores têm direito a um adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, “na forma da lei”.
A CLT trata dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Já o adicional de penosidade só foi contemplado pela Lei 8.112/1990, que é restrita a servidores públicos federais. Ou seja, ainda não existe uma regulamentação desse direito para os demais trabalhadores.
Em 2022, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o STF estabeleça um prazo para o Congresso regulamentar o adicional de penosidade.
Segundo ele, a omissão do Legislativo causa uma redução “arbitrária e injustificada” do nível de proteção dos trabalhadores.
Até o momento, apenas o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, se manifestou. Ele votou a favor de reconhecer a demora do Congresso em regulamentar a questão.
Por isso, sugeriu um prazo de 18 meses, a partir da publicação da ata de julgamento, para que os parlamentares tomem medidas voltadas a sanar a omissão.
O magistrado entendeu que “há extrapolamento de tempo razoável”, pois a Constituição foi promulgada há mais de 35 anos.
Segundo ele, “já transcorreu lapso suficiente para amadurecimento da questão, de modo que não há mais como remediar a solução desse problema”. Por isso, é função do Legislativo “o devido equacionamento da matéria”.
Gilmar ressaltou que “as peculiaridades da atividade parlamentar não justificam inércia por largo período na regulamentação de dispositivos constitucionais, conduta essa que pode colocar em risco a própria ordem constitucional”.
Clique aqui para ler o voto de Gilmar
ADO 74
https://www.conjur.com.br/2024-mai-27/stf-julga-falta-de-regulamentacao-do-adicional-de-penosidade/
29/05/2024
STF decide que número de empregados não é critério para criação de sindicatos de micro e pequenas empresas
Para a maioria do Plenário, o parâmetro previsto na Constituição é a categoria econômica da empresa, e não seu tamanho.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (29) que o número de funcionários ou o porte da empresa não são parâmetros válidos para a criação de sindicatos de micro e pequenas empresas.
No entendimento do relator, ministro Dias Toffoli, acompanhado pela maioria do Plenário, a Constituição estabelece como critério determinante a categoria econômica da empresa, e não o seu tamanho ou número de trabalhadores. Esse parâmetro busca garantir o princípio da unicidade sindical, ou seja, evitar que a mesma categoria econômica ou profissional seja representada por dois sindicatos diferentes, o que poderia gerar insegurança jurídica.
Em seu voto, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, considerou que o princípio da unicidade sindical é passível de críticas, mas foi a opção feita pelo constituinte. “A interpretação constitucional por vezes precisa ser expansiva e criativa, mas ali a Constituição é taxativa”, afirmou.
O ministro Edson Fachin foi o único a divergir. Para ele, entidades que representam micro e pequenas empresas têm legitimidade sindical independente da categoria econômica em que está incluída.
Caso concreto
A tese foi fixada no Recurso Extraordinário (RE) 646104, apresentado pelo Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Tipo Artesanal do Estado de São Paulo (Simpi), e tem repercussão geral (Tema 488), ou seja, deve ser aplicada em casos semelhantes pelo país.
Ao STF, o Simpi alegou que representa empresas do setor com até 50 empregados, mas decisões judiciais impediram o seu reconhecimento como sindicato. Sem isso, a entidade foi impedida de cobrar a contribuição sindical dos trabalhadores. Os valores foram pagos ao Sindicato da Indústria de Instalações Elétricas, Gás, Hidráulicas e Sanitárias do Estado de São Paulo (Sindinstalação), que sustentou ser a entidade sindical responsável pelas micro e pequenas empresas do setor no estado.
Confira o resumo do julgamento.
PN/CR//CF
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=543029&ori=1
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST
06/05/2024
Laudo que afastou insalubridade por ruído tem de ser considerado em pedido de adicional
Segundo o documento, a exposição ao ruído era pontual e era neutralizada por EPIs
Por unanimidade, a Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reformou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) em que a Busato – Transportes e Locações Ltda., de Marechal Floriano, foi condenada a pagar adicional de insalubridade a um operador de equipamentos. Segundo o colegiado, o Regional se equivocou ao desprezar laudo pericial em sentido contrário.
Equipamento causava ruídos e vibrações
O operador ajuizou a ação trabalhista em dezembro de 2020, com pedido de adicional de insalubridade, informando que trabalhava exposto a produtos químicos, ruídos e poeira mineral, sem usar máscara ou capa de proteção. Afirmou ainda que operava uma mini pá carregadeira e que as vibrações do veículo, as trepidações, os desníveis, e, sobretudo, o ruído emitido pelo motor justificavam o adicional.
O pedido foi indeferido pela 10ª Vara do Trabalho de Vitória, mas depois concedido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, que determinou o pagamento do adicional no grau médio (20%). Segundo o TRT, os equipamentos de proteção individual não eliminam a nocividade, que pode resultar em perda auditiva e trazer diversas outras consequências prejudiciais à saúde.
O TRT fundamentou ainda a concessão do adicional em situações verificadas em outros julgados, “principalmente em precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca de aposentadoria especial de trabalhadores expostos a agentes insalubres”.
Laudo não constatou insalubridade
Diante da decisão, a Busato pediu a análise do caso pelo TST, alegando que o laudo pericial não havia identificado trabalho em condições insalubres. Segundo a empresa, a Norma Regulamentadora (NR) 15 do Ministério do Trabalho e Emprego exige avaliação técnica pericial para comprovar a insalubridade. “O laudo técnico é expresso ao informar que a exposição ao ruído era pontual, e ainda assim, quando existia, era eliminada pela utilização dos EPIs”, sustentou a empresa.
O desembargador convocado Eduardo Pugliesi, relator do recurso, disse que o julgador não precisa se limitar à conclusão do perito: ele pode utilizar outras provas para formar o seu convencimento. Contudo, no caso, o TRT se equivocou ao desprezar a conclusão pericial e deferir o adicional em grau médio ao operador.
Na sua avaliação, o laudo é claro ao dizer que, embora o empregado tivesse exposição pontual a ruído acima do limite de tolerância, foi comprovado que o fornecimento do EPIs era suficiente para neutralizar o ambiente insalubre. Por outro lado, não há nenhum elemento que demonstre a exposição habitual aos agentes insalubres ou que permita afastar a análise pericial. “O juiz não pode ignorar a prova técnica e invocar apenas a sua própria convicção sobre a matéria para deferir o adicional de insalubridade”, concluiu.
A decisão foi unânime.
(Ricardo Reis/GS)
Processo: RRAg-988-94.2020.5.17.0010
07/05/2024
Bancária pode pedir cumprimento de ação coletiva decidida em 2011
Para a 3ª Turma, a prescrição de um ano para executar a sentença não se aplica ao caso
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho mandou prosseguir um processo em que uma bancária do Itaú Unibanco S.A. buscava, por meio de ação individual, receber valores reconhecidos numa ação coletiva decidida em março de 2011. Ao afastar a prescrição aplicada pelas instâncias anteriores na ação individual de cumprimento, o colegiado ressaltou que a medida impediria a concretização dos efeitos da decisão que a beneficiou.
Valores devidos não foram recebidos
Na ação de cumprimento, a bancária disse que a ação originária foi ajuizada em 2005 pelo Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte (MG) em nome de 2.647 pessoas. A sentença transitou em julgado (tornou-se definitiva) em 19/3/2011, tendo início da fase de execução.
Contudo, segundo a trabalhadora, houve resistência do banco em cumprir a decisão. Em 2020, então, ela ajuizou a ação individual visando receber os valores devidos.
Para TRT, houve demora no ajuizamento da ação
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região decidiu que ela não poderia pedir a execução após tanto tempo e encerrou o processo, aplicando a prescrição, ou perda do direito de ação. O TRT considerou o prazo de um ano após o trânsito em julgado da sentença, previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para a execução de sentenças.
Prescrição não se aplica a ações já iniciadas
O relator do recurso de revista, ministro José Roberto Pimenta, observou que a prescrição é uma penalidade que decorre da inércia da pessoa titular do direito, ou seja, se a ação não é ajuizada no prazo legal, ela não poderá prosseguir. No entanto, segundo o ministro, o prazo aplicado pelo TRT não pode ser estendido aos casos de pretensa inércia de quem já ajuizou sua reclamação após ganhar a ação principal e no curso de sua execução, movida contra o devedor.
De acordo com o relator, a execução pode (“e, na verdade, deve”) ser promovida por iniciativa do juiz, e não se pode atribuir apenas à bancária os ônus e a responsabilidade pela eventual demora na satisfação de seus créditos trabalhistas. “Muitas vezes, os elementos necessários para o início da execução ou para a liquidação das verbas não estão ao seu alcance, pelas mais variadas razões”, ponderou.
A decisão foi unânime.
(Bruno Vilar/CF)
Processo: RR-10464-19.2020.5.03.0020
Complemento de auxílio-doença não pode ser abatido de indenização por doença profissional
Para a 3ª Turma, os valores têm naturezas distintas.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o valor da indenização decorrente de doença do trabalho não pode ser compensado com o complemento salarial pago pela empresa ao auxílio-doença acidentário, estipulado em uma norma coletiva. Para o colegiado, as duas parcelas têm naturezas distintas, o que impede a compensação.
Depressão grave causou perda salarial
A ação foi ajuizada por um caixa do Banco Bradesco S.A. que alegava ter desenvolvido uma grave depressão em razão da pressão excessiva por resultados e de dores físicas causadas por uma tendinopatia relacionada às atividades de digitação. Dentre outros pedidos de reparação, ele pediu uma indenização por lucros cessantes, que visa compensar a perda de remuneração causada pelo empregador, uma vez que o auxílio-doença era menor do que seu salário.
TRT autoriza dedução da complementação
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) reconheceu que o bancário ficara quase 10 meses afastado por causa da depressão relacionada ao trabalho e privado da sua remuneração integral, o que justifica o pagamento de lucros cessantes. Contudo, o TRT autorizou a dedução de valores pagos pelo banco a título de complemento do auxílio-doença, previsto em norma coletiva. Segundo o colegiado, isso evitaria um suposto enriquecimento sem causa do caixa.
Parcelas têm naturezas distintas
O desembargador convocado Marcelo Lamego Pertence, relator do recurso de revista do bancário, explicou que o benefício previdenciário tem origem na filiação obrigatória do empregado ao INSS, e a complementação do benefício é paga pelo empregador em obediência ao previsto em negociação coletiva. Por outro lado, a indenização por lucros cessantes decorre da obrigação do empregador de indenizar o dano material resultante da doença do trabalho. “Inviável, portanto, qualquer dedução ou compensação entre parcelas de natureza jurídica e origem diversas”, concluiu.
A decisão foi unânime.
(Bruno Vilar/CF)
Processo: RR-22225-92.2017.5.04.0030
10/05/2024
Designer não consegue provar que trabalhava em ambiente degradante
Ele alegava calor extremo e mau cheiro durante as refeições
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um designer de interiores de São Paulo (SP) que pedia a condenação da Conceito Móveis Design e Serviços Ltda. em razão de condições degradantes de trabalho. As alegações, porém, não foram comprovadas nas instâncias anteriores, e o TST não pode rever fatos e provas do processo (Súmula 126).
Refeitório tinha cheiro de esgoto
O designer disse na reclamação trabalhista que o ambiente de trabalho era extremamente quente, sem ar condicionado e com péssimas condições de iluminação. Segundo ele, o pior era o refeitório, próximo a um ralo de ventilação de canos de esgoto no quintal, o que causava “uma péssima sensação” a quem fazia suas refeições expostos “aos piores odores”.
A Conceito não se manifestou no processo.
Alegações não forma comprovadas
O juízo da 48ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região indeferiram o pedido. O TRT concluiu que nenhum elemento apontado pelo trabalhador no processo comprovava que o local era insalubre, nem mesmo o calor excessivo no ambiente de trabalho ou o cheiro “insuportável” que exalava dos ralos.
TST não pode rever provas
O profissional ainda tentou levar o caso à análise do TST, mas, sob a relatoria do ministro Douglas Alencar Rodrigues, o colegiado seguiu o entendimento de que a análise do recurso esbarra na Súmula 126 do TST, que veda o reexame de fatos e provas em instância extraordinária.
(Ricardo Reis/CF)
Processo: Ag-AIRR-3200-35.2013.5.02.0048
13/05/2024
Shopping de Campinas pode cobrar estacionamento de quem trabalha em suas lojas
Para a 7ª Turma, a cobrança não caracteriza alteração lesiva do contrato de trabalho
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou recurso do Ministério Público do Trabalho para que o Condomínio Shopping Parque Dom Pedro, de Campinas (SP), deixasse de cobrar o estacionamento para funcionários das lojas. Entre outros pontos, o colegiado entendeu que o shopping não é o empregador dessas pessoas e que o início da cobrança não configura alteração contratual lesiva de contrato de trabalho.
Estacionamento passou a ser cobrado depois de sete anos
Na ação civil pública, o MPT, alertado pelo Sindicato dos Empregados do Comércio Hoteleiro de Campinas (SP), relatou que desde a inauguração do shopping, em março de 2002, as pessoas que trabalhavam nas lojas tinham livre acesso ao local e podiam deixar seus veículos nas cerca de oito mil vagas do estacionamento. Contudo, em setembro de 2009, passaram a ter de pagar R$ 3 por período de 12 horas. A seu ver, a isenção havia se incorporado ao contrato, e a mudança causava prejuízo aos trabalhadores.
Shopping não é empregador
O juízo da 10ª Vara do Trabalho de Campinas (SP) considerou abusiva a cobrança, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região afastou a obrigação de restabelecer a gratuidade. Segundo o TRT, quem está obrigado a manter as condições originárias do contrato é o empregador (lojista), e a imposição do pagamento era do centro comercial, que não é responsável pelo contrato de trabalho.
Gratuidade não faz parte do contrato de trabalho
Para o ministro Evandro Valadão, relator do recurso de revista do MPT, não há alteração contratual lesiva na posterior cobrança pelo uso de estacionamento, cuja propriedade ou gestão não pertence ao empregador. “A questão da gratuidade ou não do serviço, portanto, não se insere no contrato de trabalho, mas sim na relação de natureza civil e comercial entre o shopping e todos os usuários do estacionamento, entre eles os empregados dos lojistas”, ressaltou.
Ele assinalou ainda que o condomínio do shopping não tem obrigação por lei de conceder estacionamento gratuito aos empregados de seus locatários e que é dever do empregador prover o deslocamento dos seus empregados da residência ao trabalho e vice-versa.
(Guilherme Santos/CF)
Processo: ARR-182800-43.2009.5.15.0129
https://tst.jus.br/-/shopping-de-campinas-pode-cobrar-estacionamento-de-quem-trabalha-em-suas-lojas
14/05/2024
Metrô-SP não terá de reintegrar empregados que tiveram aposentadoria especial concedida pelo INSS
O benefício é concedido a quem trabalha em condições nocivas à saúde
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho isentou a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) de readmitir empregados que pediram e obtiveram aposentadoria especial junto ao INSS. Para o colegiado, a concessão desse benefício resulta no encerramento do contrato por iniciativa do próprio empregado e impede que ele continue a trabalhar na mesma atividade em razão dos riscos à saúde.
Benefício visa compensar exposição a agentes nocivos
A aposentadoria especial é concedida mediante requerimento a pessoas expostas a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física durante a carreira. Isso inclui profissionais que trabalham em contato com agentes nocivos, como ruído, calor, frio e agentes químicos, entre outros, por longos períodos.
Metrô dispensou empregados nessa condição
O caso julgado pela Quinta Turma foi uma ação civil pública ajuizada pelo Sindicato dos Metroviários do Estado de São Paulo para anular uma série de desligamentos feitos pelo Metrô de empregados que pediram e obtiveram a aposentadoria especial. De acordo com o sindicato, desde outubro de 2020, a empresa tem efetuado essas dispensas sem pagar as verbas rescisórias, com a justificativa de que não é possível manter o contrato de trabalho com a concessão da aposentadoria.
Em sua defesa, o Metrô argumentou que, ao receber o benefício, o empregado expressa, mesmo que de maneira implícita, sua intenção de encerrar o vínculo empregatício, renunciando a possíveis garantias de emprego temporárias.
Aposentadoria especial impede manutenção de atividade nociva
As instâncias ordinárias negaram o pedido do sindicato, com o fundamento de que a legislação previdenciária proíbe a continuidade do trabalho nas mesmas condições, sob pena de cancelamento da aposentadoria especial. Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), ao requerer o benefício, o empregado manifesta sua vontade de se aposentar, e, em razão de sua condição especial, não deve mais permanecer no ambiente nocivo de trabalho.
Pedido ao INSS equivale a dispensa por iniciativa do empregado
Para a ministra Morgana de Almeida Richa, relatora do recurso de revista do sindicato, essa decisão está de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que, ao obter aposentadoria especial, o trabalhador não pode continuar na mesma atividade (Tema 709 da Repercussão Geral). Dessa maneira, a jurisprudência do TST se firmou no sentido de que a concessão do benefício acarreta o fim do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, o que afasta o pagamento das verbas rescisórias usuais em casos de demissão sem justa causa.
A decisão foi unânime.
(Bruno Vilar/CF)
Processo: Ag-AIRR-1001166-68.2020.5.02.0034
Condomínio pagará multa por demitir porteiros para instalar portarias virtuais
A sanção pela troca de empregado por centrais de monitoramento está prevista em convenção coletiva
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Condomínio Edifício Cristina, de Campinas (SP), a pagar multa de sete pisos salariais da categoria a um porteiro dispensado após a instalação de centrais terceirizadas de monitoramento, ou “portarias virtuais”. Para o colegiado, é válida a cláusula estabelecida em norma coletiva que previa a sanção.
Para TRT, medida restringia liberdade de contrato
O porteiro trabalhou para o condomínio de 2005 a 2019. Na reclamação trabalhista, ele argumentou que o condomínio havia descumprido a convenção coletiva de trabalho (CCT) ao dispensar todos os empregados da portaria e substituí-los pela portaria virtual.
O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) reformou a sentença e afastou a multa. Para o TRT, a cláusula que veda a substituição caracteriza “flagrante restrição à liberdade de contrato” e fere o princípio da livre concorrência, ao limitar a atuação das empresas de monitoramento virtual.
Negociação coletiva pode estabelecer restrições
O relator do recurso de revista do trabalhador, ministro Alberto Balazeiro, destacou que a Constituição Federal autoriza que as categorias profissionais e econômicas negociem normas autônomas que podem até mesmo reduzir direitos trabalhistas. Assim, os mesmos instrumentos também podem atenuar a liberdade de contratação de empresas que foram devidamente representadas por seu sindicato patronal nas negociações.
Ainda de acordo com o relator, a convenção coletiva que impede a substituição de trabalhadores por máquinas dialoga com a perspectiva humanista-social da Constituição Federal, que inclui a defesa e a proteção do emprego como um dos pilares da ordem econômica.
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: RR-11307-80.2019.5.15.0053
15/05/2024
Sem registro de jornada, cuidadora consegue validar horas extras
Desde 2015, com a Lei das Domésticas, o ônus de comprovar a jornada real é do empregador
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a veracidade da jornada alegada por uma cuidadora e condenou o empregador a pagar horas extras acima da oitava diária ou da 44ª semanal. A decisão baseou-se na Lei do Trabalho Doméstico (Lei Complementar 150/2015), que considera obrigatório o registro do horário de trabalho, independentemente do número de empregados.
Jornada era de revezamento 24×24
Na ação, a cuidadora informou que fora admitida em junho de 2019 para cuidar da esposa do empregador, dando-lhe medicamentos, alimentação, banho, etc., além de cuidar eventualmente da neta do casal. Em abril de 2020, seu contrato foi rescindido sem justa causa.
Segundo ela, sua jornada era em escala 24×24, das 7h às 7h, com apenas 15/20 minutos de intervalo. Ela e outra cuidadora se revezavam, de segunda a domingo, sem horas extras ou compensação.
Ao contestar a ação, o empregador sustentou que ela trabalhava em jornada 12×36, das 7h às 19h, e que sempre tivera direito aos intervalos intrajornada.
O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) indeferiram as horas extras. Para o TRT, considerando caberia à cuidadora provar que sua carga horária era diversa da contratada e anotada em todos os seus registros funcionais. Destacou também que a Lei do Trabalho Doméstico admite a contratação no sistema de compensação 12×36, sem que isso implique o pagamento de horas extras.
Registro de horário é obrigatório
Mas o relator do recurso de revista da trabalhadora, ministro Augusto César, destacou que, conforme o artigo 12 da LC 150/2015, é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, sem nenhuma ressalva quanto ao número de empregados.
Presunção de veracidade da jornada alegada
O ministro observou ainda que, com a vigência da nova lei, a jurisprudência do TST vem se firmando no sentido de que a não apresentação dos cartões de ponto pelo empregador doméstico gera presunção relativa da veracidade da jornada alegada pela empregada, caso não haja prova em sentido contrário. A decisão do TRT de que caberia à cuidadora provar sua jornada, portanto, contraria esse entendimento.
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/GS)
Processo: RR-303-47.2020.5.12.0036
https://tst.jus.br/web/guest/-/sem-registro-de-jornada-cuidadora-consegue-validar-horas-extras%C2%A0
16/05/2024
Agente de aeroporto agredido por cliente de companhia aérea receberá indenização
Para a 3ª Turma, a empresa tem o dever de proteger a dignidade do trabalhador
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Tam Companhias Aéreas S.A. (Latam) a pagar R$ 9,6 mil de indenização a um agente de aeroporto vítima de agressão física de um cliente durante o trabalho. Segundo o colegiado, a empresa tem o dever de proteger a dignidade dos trabalhadores e de implementar meios de segurança que previnam agressões verbais e físicas contra eles.
Empregado levou tapa no rosto
Na reclamação trabalhista, o agente, que atuava no Aeroporto Internacional de Brasília, alegava ter sido vítima de assédio moral da supervisora, que, segundo ele, o tratava com rigor excessivo, o ameaçava de demissão e não fez nada quando ele levou um tapa no rosto de um cliente.
Segundo seu depoimento, ele estava na linha de frente do atendimento e exigiu desse cliente alguns procedimentos. O cliente se recusou, foi até o guichê, foi atendido e, quando retornava ao portão de embarque, desferiu o tapa. O episódio foi confirmado por testemunhas, e uma delas afirmou também ter sido agredida em outra ocasião e persuadida a não registrar a ocorrência porque, naquele caso, o agressor era um político.
Para instâncias anteriores, empresa não poderia ser responsabilizada
O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) rejeitaram o pedido de indenização. Além de considerarem que o assédio da supervisora não fora comprovado de forma conclusiva, eles entenderam que a Latam não poderia ser responsabilizada pela agressão física, praticada por pessoa alheia à relação de emprego. De acordo com a sentença, não seria razoável exigir que a segurança do aeroporto ou a empregadora “pudessem dispor de um agente de segurança para cada posto de atendimento”.
Agressão justifica reparação
Em sentido contrário, o relator do recurso de revista do agente, ministro Mauricio Godinho Delgado, afirmou que a agressão sofrida é motivo suficiente para a reparação civil pelo dano, agravada pela ausência de evidências de medidas reparadoras ou paliativas para amenizar o constrangimento do empregado. “Pelo contrário, o TRT indica séria negligência por parte da empresa com a dignidade de seus empregados, já que uma das testemunhas afirmou ter sido instruída por seu supervisor a não registrar ocorrência policial em caso de situação semelhante de agressão que ela mesma sofreu”, ressaltou.
Para o ministro, as condições de trabalho a que se submeteu o trabalhador atentaram contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual. Nessa situação, o dano foi comprovado, e a caracterização da ofensa não requer prova específica do prejuízo causado. “Basta que o desrespeito aos direitos fundamentais esteja configurado”, afirmou. “A agressão física perpetrada pelo cliente contra o empregado, enquanto esse último está desempenhando suas obrigações funcionais, constitui dano presumido”.
A decisão foi unânime.
(Carmem Feijó)
Processo: RR-697-96.2019.5.10.0019
Ação contra escritório de porte nacional pode ser ajuizada em outra cidade
Aposentada entrou com a ação em Brasília, mas prestou serviços a escritório de advocacia em São Luís
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a possibilidade de uma aposentada ajuizar ação no local em que mora, e não onde prestou serviços. A decisão leva em conta que o escritório de advocacia para o qual ela trabalhou atua âmbito nacional e não terá prejuízo para se defender.
Empregada foi morar em Brasília após aposentadoria
A trabalhadora foi contratada como negociadora do escritório de São Luís (MA) da Toledo Pizza Advogados Associados, com sede em São Paulo (SP). Em 2010, ela foi diagnosticada com lesões por esforço repetitivo e ficou afastada até 2018, quando, após se submeter a cinco cirurgias, foi aposentada por invalidez. Ela então foi morar em Brasília com a mãe, que poderia ajudá-la em razão de suas limitações físicas que a impediam de exercer atividades cotidianas básicas.
A ação foi ajuizada em Brasília, com o argumento de que ela não tinha condições financeiras e físicas para se deslocar para São Luís.
O juízo de Brasília, porém, entendeu que, no caso, prevalecia a regra geral prevista no artigo 651 da CLT de que a competência para julgar a ação é do foro do local da prestação de serviços, e determinou a remessa do processo para uma das Varas do Trabalho de São Luís. Mesmo entendimento teve o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), que manteve a sentença.
Exceções à regra visam garantir acesso à Justiça
Conforme a ministra Liana Chaib, relatora do recurso de revista da aposentada, a CLT prevê exceções à regra geral, admitindo o ajuizamento da reclamação trabalhista em local distinto do da prestação de serviços. É o caso de viajantes que trabalham em mais de uma cidade, de empregados brasileiros que prestam serviços no estrangeiro e de pessoas contratadas em uma localidade para prestar serviços em outra.
Além disso, a jurisprudência do TST admite que a ação seja ajuizada na Vara do Trabalho do município em que a pessoa morar quando se constata que, após a rescisão contratual, ela passou a residir longe do local da prestação de serviços e que a empresa tem porte nacional, o que permite sua participação no processo sem prejuízo de sua defesa. Isso, de acordo com a ministra, atende aos princípios constitucionais de acesso à Justiça, do contraditório e da ampla defesa.
No caso específico, a Toledo Piza Advogados Associados tem filiais em várias cidades de diversos estados: Araçatuba, Campinas e São José do Rio Preto (SP), Curitiba e Cascavel (PR), Florianópolis (SC), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE). Por outro lado, a filial de São Luís foi desativada.
PJe favorece direito de defesa
A ministra salientou, ainda, que o processo é eletrônico e tramita pelo sistema PJe, que facilita o direito de defesa da empregadora, “um escritório de advocacia relativamente grande”. Para Liana Chaib, decidir em sentido contrário “provavelmente fecharia as portas do Judiciário à trabalhadora” e estaria na contramão da razão de existir da Justiça do Trabalho, violando os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Por unanimidade, a Segunda Turma determinou a remessa do processo à 17ª Vara do Trabalho de Brasília (DF).
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: RR-0001110-52.2018.5.10.0017
17/05/2024
TST valida geolocalização como prova digital de jornada de bancário
A prova ficará limitada aos horários alegados pelo trabalhador, e o processo ficará em segredo de justiça
Por maioria de votos, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho cassou liminar que impedia que o Banco Santander S.A. utilizasse prova digital de geolocalização para comprovar jornada de um bancário de Estância Velha (RS). Segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal.
Geolocalização mostraria se bancário estava na agência
Numa ação trabalhista ajuizada em 2019, o bancário – que trabalhou 33 anos no Santander – pedia o pagamento de horas extras. Ao se defender, o banco disse que o empregado ocupava cargo de gerência e, portanto, não estava sujeito ao controle de jornada. Por isso, pediu ao juízo da 39ª Vara do Trabalho de Estância Velha a produção de provas de sua geolocalização nos horários em que ele indicava estar fazendo horas extras, para comprovar “se de fato estava ao menos nas dependências da empresa”.
O bancário protestou, mas o pedido foi deferido. O juízo de primeiro grau determinou que ele informasse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (IMEI) para oficiar as operadoras de telefonia e, caso não o fizesse, seria aplicada a pena de confissão (quando, na ausência da manifestação de uma das partes, as alegações da outra são tomadas como verdadeiras).
Trabalhador alegou violação de privacidade
Contra essa determinação, o bancário impetrou mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) contra a determinação, alegando violação do seu direito à privacidade, “sobretudo porque não houve ressalva de horários, finais de semana ou feriados”. Na avaliação do trabalhador, o banco tinha outros meios de provar sua jornada, sem constranger sua intimidade.
O Santander, por sua vez, sustentou que a geolocalização se restringiria ao horário em que o empregado afirmou que estaria prestando serviços. Portanto, não haveria violação à intimidade, pois não se busca o conteúdo de diálogos e textos.
O TRT cassou a decisão, levando o banco a recorrer ao TST.
Para relator, não há quebra de sigilo
O ministro Amaury Rodrigues, relator do recurso, considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, porque permite saber onde estava o trabalhador durante o alegado cumprimento da jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base. A medida é proporcional, por ser feita com o menor sacrifício possível ao direito à intimidade.
O ministro lembrou que a diligência coincide exatamente com o local onde o próprio trabalhador afirmou estar, e só se poderia cogitar em violação da intimidade se as alegações não forem verdadeiras. Quanto à legalidade da prova, o relator destacou que não há violação de comunicação, e sim de geolocalização. “Não foram ouvidas gravações nem conversas”, ressaltou.
Justiça do Trabalho capacita juízes para usar provas digitais
Em seu voto, o ministro lembra que a Justiça do Trabalho capacita os juízes para o uso de tecnologias e utiliza um sistema (Veritas) de tratamento dos relatórios de informações quanto à geolocalização, em que os dados podem ser utilizados como prova digital para provar, por exemplo, vínculo de trabalho e itinerário ou mapear eventuais “laranjas” na fase de execução.
“Desenvolver sistemas e treinar magistrados no uso de tecnologias essenciais para a edificação de uma sociedade que cumpra a promessa constitucional de ser mais justa, para depois censurar a produção dessas mesmas provas, seria uma enorme incoerência”, observou.
Leis respaldam a medida
Ainda, segundo o relator, a produção de prova digital é amparada por diversos ordenamentos jurídicos, tanto de tribunais internacionais como por leis brasileiras, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet, que possibilitam o acesso a dados pessoais e informação para defesa de interesses em juízo.
Corrente vencida defende medidas menos invasivas em primeiro lugar
Ficaram vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Dezena da Silva e a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa. Para Veiga, a prova de geolocalização deve ter ser subsidiária, e não principal. No caso, ela foi admitida como primeira prova processual, havia outros meios menos invasivos de provar as alegações do empregado.
Na sua avaliação, as vantagens da medida para provar a jornada não superam as suas desvantagens. “A banalização dessa prova de forma corriqueira ou como primeira prova viola o direito à intimidade”, concluiu”.
(Ricardo Reis/CF)
Processo: ROT-23218-21.2023.5.04.0000
20/05/2024
Propagandista dispensado por apresentar exame falso de covid não consegue reverter justa causa
A falsificação do documento foi considerada falta grave e quebra de confiança
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um propagandista vendedor da farmacêutica EMS S.A. contra sua dispensa por justa causa por apresentar teste falso de covid-19. O colegiado destacou que a gravidade da conduta e a quebra de confiança impedem a manutenção do contrato de trabalho.
Exame enviado por WhatsApp foi adulterado
A ação trabalhista foi ajuizada pela empresa após suspender o trabalhador, que, na condição de vice-presidente do sindicato de sua categoria, teria direito à estabilidade provisória. O objetivo da medida era abrir um inquérito para apuração de falta grave, a fim de respaldar a dispensa.
A EMS relatou que, em 25 de janeiro de 2022, ele apresentou atestado e receituário com indicação de 10 dias de repouso, com o CID de covid-19. Como ele havia encaminhado apenas uma foto do atestado por WhatsApp, a empresa pediu que ele apresentasse, também, o teste positivo. Mas, ao analisar o documento, a EMS verificou que ele estava rasurado, porque as fontes do nome do paciente e do resultado do exame eram diferentes da usada nas demais informações.
A rasura foi confirmada pelo laboratório responsável pelo exame, que também verificou que o laudo era de outra pessoa e que o resultado era negativo.
Vendedor disse que tinha sintomas
Em sua defesa, o trabalhador afirmou que estava com sintomas e que sua esposa e filha tinham testado positivo para a doença. Também alegou que o sistema do laboratório não era confiável e apresentou testemunhas que afirmaram que ele havia comparecido ao hospital.
Uma delas foi o médico que havia dado o atestado a partir do exame clínico e dos sintomas, somados à contaminação da esposa. Ele disse ter solicitado o teste, mas o paciente não o realizou no mesmo hospital por falta de cobertura de seu plano de saúde.
Adulteração era visível a olho nu
A 3ª Vara do Trabalho de Caruaru (PE) reconheceu a falta grave e declarou a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, por ter sido comprovado que o teste de covid fora adulterado pelo empregado, “em nítido ato de mau procedimento, assemelhando-se a ato desonesto”. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) manteve a sentença, destacando que as alterações e rasuras eram perceptíveis a olho nu e que o propagandista não havia apresentado o documento original.
Para a Quarta Turma, falsificação quebra confiança
Na tentativa de rediscutir o caso no TST, o propagandista argumentou que trabalhou mais de 27 anos na empresa sem nenhuma punição anterior. A dispensa por justa causa seria um “completo desrespeito ao princípio da proporcionalidade da pena e observância da gradação de medidas disciplinares” e uma forma da EMS acabar com sua estabilidade.
Mas, segundo o relator, ministro Ives Gandra, a apresentação do teste falso foi comprovada e qualificada como grave pelo TRT. Ressaltou, ainda, que o próprio TRT citou decisão da Sexta Turma do TST em que a apresentação de atestado médico falso foi considerada suficiente para quebrar a confiança contratual. Assim, a decisão está em sintonia com a do TST.
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: Ag-AIRR-273-51.2022.5.06.0313
Siderúrgica é condenada por demitir todos os empregados sem pagar verbas rescisórias
Pedido de reparação por dano moral coletivo foi deferido em ação civil pública do MPT
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso da Siderúrgica Barão de Mauá, de Sete Lagoas (MG), contra condenação pela dispensa de todos os seus empregados sem pagamento de verbas rescisórias. De acordo com o colegiado, a conduta ultrapassa a esfera individual dos trabalhadores, atingindo a sociedade.
179 pessoas foram demitidas
Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) relatou que a empresa, em novembro de 2019, arrendou seu parque siderúrgico a uma pessoa física, que assumiu a sucessão e o passivo trabalhista. Porém, dias depois, o arrendatário morreu nas dependências da empresa, que foi assumida por seu filho. Na sequência, houve uma disputa judicial entre a siderúrgica e o espólio do arrendatário.
Em janeiro de 2020, os 179 empregados foram demitidos, sem receber as verbas rescisórias. Para o MPT, tanto a empresa quanto o espólio do arrendatário são responsáveis pelo pagamento dos valores devidos, estimados em R$ 3 milhões. A título de dano moral coletivo, foi pedida indenização de R$1 milhão.
Dispensa gerou insegurança financeira e alimentar
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas condenou os envolvidos a pagar as verbas rescisórias, com a multa por atraso, e a indenização pedida pelo MPT. Também foi determinado o bloqueio de créditos e a indisponibilidade de bens imóveis.
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que entendeu que a dispensa em massa não afetou apenas os ex-empregados, mas também suas famílias, gerando insegurança financeira e até mesmo alimentar. Para o TRT, o descaso em pagar os valores devidos a quase duas centenas de empregados demitidos “causou lesão injusta e intolerável aos interesses desta categoria”.
Conduta afrontou a coletividade
Os herdeiros do arrendatário tentaram rediscutir o caso no TST, mas o relator, ministro José Roberto Pimenta, ressaltou que a irregularidade praticada afrontou toda a coletividade, justificando a condenação. Ele observou, ainda, que, de acordo com a jurisprudência do TST, a ausência de negociação prévia com o sindicato dos empregados antes da despedida em massa resulta na condenação do empregador por dano moral coletivo.
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: AIRR-10466-26.2020.5.03.0040
Assistente de campo receberá por supressão de pausas para recuperação do calor
O pagamento do adicional de insalubridade não substitui o direito aos intervalos
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a pagar a um assistente de campo de Parnaíba (PI), como horas extras, o tempo correspondente aos intervalos para recuperação térmica que não eram concedidos. Segundo o colegiado, quem trabalha exposto ao calor acima dos limites de tolerância tem direito não apenas ao adicional de insalubridade, mas às pausas durante a jornada.
Assistente trabalhava a céu aberto
Na reclamação trabalhista, o empregado disse que trabalhava desde 1987 nos campos experimentais da Embrapa. Suas atividades eram desenvolvidas a céu aberto e, durante toda a jornada, estava exposto à radiação solar permanente.
Um laudo da Embrapa constatou que o Índice de Bulbo Úmido – Termômetro de Globo (IBUTG), que afere a temperatura no ambiente de trabalho, era em média de 28º. De acordo com a Norma Regulamentar (NR) 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, nessa circunstância, ele teria direito a 15 minutos de descanso para cada 45 minutos de trabalho, mas esses intervalos não eram concedidos.
Embrapa contesta alegações
A empresa, em sua defesa, sustentou que, desde 2015, pagava o adicional de insalubridade em razão da exposição solar e que a NR-15 não estabeleceria intervalos a serem concedidos dentro da jornada, mas o tempo da exposição como critério para a configuração do direito ao adicional. Segundo a Embrapa, o tempo efetivo de trabalho do assistente no campo não era de oito, mas de seis horas diárias.
TRT considera que haveria pagamento em duplicidade
O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI) julgaram improcedentes os pedidos do trabalhador. Para o TRT, o pagamento do intervalo suprimido como horas extras caracterizaria pagamento em duplicidade, porque o assistente já recebia o adicional de insalubridade pelo mesmo motivo – a exposição ao calor. Segundo esse entendimento, a sonegação das pausas previstas na NR-15 seriam apenas uma infração administrativa, que não justificaria o pagamento como hora extra.
Para relator, direitos são distintos
O ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do recurso de revista do empregado, rejeitou a tese do TRT do pagamento em duplicidade. “O adicional de insalubridade decorre da exposição do empregado ao agente insalubre que a empresa não cuidou de neutralizar (calor), ao passo que o pagamento das pausas é devido por elas não terem sido observadas pela empresa no respectivo período”, assinalou. “São verbas distintas, devidas a títulos distintos”.
Ainda segundo o ministro a previsão do intervalo especial para trabalho em ambiente com temperatura superior à do corpo humano tem caráter imperativo. Desse modo, se ele for desrespeitado, a consequência é o pagamento do período como se fosse efetivamente trabalhado.
A decisão foi unânime.
(Ricardo Reis/CF)
Processo: Ag-RR-1166-57.2019.5.22.0101
TST anula cláusula de acordo que tirava adicionais de horas extras e noturno de pescadores
Para a SDC, as parcelas não podem ser objeto de negociação
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho invalidou uma cláusula de acordo coletivo que desobrigava empresas de pesca de pagar o adicional de horas extras, o adicional noturno e as horas reduzidas aos pescadores de Rio Grande (RS). Para o colegiado, as parcelas estão entre as garantias individuais previstas na Constituição Federal e não podem ser suprimidas nem negociadas.
Relação seguiria “sistema tradicional”
O acordo, firmado entre o Sindicado dos Pescadores de Rio Grande e o Sindicato da Indústria da Pesca, de Doces e de Conservas Alimentícias do Rio Grande do Sul (Sindipesca), teria validade a partir de junho de 2019. A cláusula 10ª previa que a relação entre as empresas e os pescador seria regida “unicamente pelo tradicional sistema de partes, quinhão e produção”. Além de afastar o pagamento de horas extras e seus adicionais, adicional noturno e horas reduzidas, ela dispensava as embarcações de manter um livro para anotar as horas extraordinárias de cada tripulante, como exige o artigo 251 da CLT.
O acordo foi homologado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), o Ministério Público do Trabalho (MPT) questionou especificamente essa cláusula e pediu sua anulação. Segundo o MPT, normas constitucionais e legais de ordem pública não podem ser afastadas por negociação coletiva.
Horas extras e adicional noturno são garantias inegociáveis
O relator do recurso, ministro Alexandre Agra Belmonte, assinalou que o artigo 611-B da CLT especifica as matérias que não podem ser objeto de negociação coletiva, porque envolvem direitos indisponíveis. A supressão ou a redução da remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e do serviço extraordinário em no mínimo 50% do normal estão entre os itens que devem ficar fora da negociação, porque fazem parte das garantias individuais previstas na Constituição (artigo 7º, incisos IX e XVI).
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: RO-21642-32.2019.5.04.0000
27/05/2024
Mantida dispensa de membro da Cipa que viajou durante licença para repouso
Ele alegou que não podia trabalhar em razão de dores na coluna, mas postou fotos da viagem em redes sociais no período
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho não admitiu o recurso de um consultor de vendas da Estok Comércio e Representações Ltda., de Barueri (SP), que alegava que, como membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), não poderia ser demitido. O motivo da dispensa, por justa causa, foi o fato de ele ter apresentado atestado médico para tratar dores na coluna e, durante o afastamento, ter viajado de ônibus para Campos do Jordão (SP), conforme postagens nas redes sociais.
Apresentou atestado e viajou
Na reclamação trabalhista, o consultor argumentou que cumpria mandato na Cipa até março de 2018 e, por isso, teria estabilidade provisória até um ano após o fim do mandato. Ele pediu a reversão da justa causa e, consequentemente, a reintegração no emprego.
A empresa, em sua defesa, argumentou que o consultor havia apresentado um atestado médico numa sexta-feira recomendando seu afastamento do trabalho por dois dias, por dores na coluna. Mas, no domingo seguinte, verificou que ele havia postado diversas fotografias em redes sociais de uma viagem em grupo e de ônibus para Campos do Jordão (SP). Para a Estok, o fato caracterizava falta grave e motivava a dispensa.
Conduta inadequada gerou punição
A medida foi mantida pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de Barueri e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Segundo o TRT, o empregado havia admitido em juízo que o afastamento era para que o consultor não permanecesse sentado executando trabalho repetitivo, em razão das dores na coluna. Mas, apesar de o atestado ser válido e regular, ficou evidente que, no mesmo período, ele optou por fazer uma viagem recreativa em que teria de permanecer sentado por pelo menos duas horas durante o percurso.
Ainda, para o TRT, o fato de o empregado ser cipeiro não alterava em nada o julgamento, pois sua própria conduta inadequada teria motivado a penalidade.
Caso não tem transcendência
O relator do recurso de revista do consultor, ministro Cláudio Brandão, observou que o caso não tem transcendência dos pontos de vista econômico, político, jurídico ou social, e esse é um dos critérios para que o recurso seja admitido. No caso da transcendência social, o relator explicou que não houve alegação plausível de violação de direito social previsto na Constituição Federal.
Em relação à transcendência econômica, o ministro lembrou que a Sétima Turma estabeleceu como referência o valor de 40 salários mínimos, o que também não era o caso. Além disso, a necessidade de reavaliar as provas relativas à justa causa também afasta a transcendência, uma vez que o TST não reexamina esses aspectos.
A decisão foi unânime.
(Lourdes Tavares/CF)
Processo: RR-1001481-51.2018.5.02.0201
28/05/2024
Mantida condenação de frigorífico a indenizar família de empregado assassinado a caminho de casa
Ele encerrava a jornada de madrugada e voltava para casa de bicicleta quando foi assaltado
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o terceiro recurso da JBS S.A contra a condenação ao pagamento de R$ 200 mil à família de um empregado de Igreja Nova (AL) assassinado quando voltava de bicicleta do trabalho, de madrugada. A empresa tentava embargar decisão anterior da Turma, mas a condenação foi mantida, com a aplicação de multa por tentar e a JBS ainda terá de pagar multa por tentar protelar o fim do processo.
Assassinato ocorreu de madrugada
O empregado – que não chegou a completar um mês na empresa – voltava para casa às duas horas da manhã, em 30 de agosto de 2019, quando foi assaltado e morto com dois tiros. A viúva disse, na ação trabalhista, que eles moravam numa região perigosa e que não havia transporte público nem a JBS o fornecia. Disse ainda que o marido fora obrigado a assinar um documento em que renunciava ao vale-transporte.
Empresa alegou que todos estão sujeitos a assaltos
A empresa, em sua defesa, disse que a opção de não receber o vale-transporte tinha sido do próprio empregado e que não havia prova de que ele tenha sido obrigado a assinar qualquer documento. Argumentou, ainda, que o local do assalto não tinha relação com o trajeto de retorno do trabalho, o que afastaria a tese de acidente de percurso. Para a JBS, nem mesmo quem trabalha de dia ou utiliza transporte público está imune a casos como esse, “que fogem totalmente do controle das empresas”.
Para TRT, empresa criou situação de risco
Ao condenar a JBS, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL) entendeu que houve conduta culposa ao exigir que o empregado voltasse para casa de bicicleta às 2h da manhã, “exposto a toda sorte de intempéries”. Para o TRT, ainda que ele tenha dispensado o vale-transporte, a responsabilidade permanece, pois não houve prova de fornecimento de transporte para equipes que encerravam sua jornada de madrugada, “mínimo que se espera de uma empresa deste porte”.
Recursos são descabidos
Como o TRT negou seguimento a seu recurso, a JBS interpôs, sucessivamente, agravo de instrumento, agravo para a Turma e embargos de declaração, todos sem sucesso. O ministro José Roberto Pimenta, relator do caso, explicou que os embargos de declaração são um instrumento processual para solucionar possíveis contradições, omissões e obscuridades na decisão anterior, mas todos os pontos levantados pela empresa já tinham sido examinados e decididos, de forma fundamentada. “São, portanto, absolutamente descabidos e meramente procrastinatórios”, afirmou, avaliando que a empresa pretendia apenas polemizar em relação a fatos já amplamente discutidos.
O relator ainda rechaçou o argumento da JBS sobre a existência de inquérito civil com conclusão do Ministério Público do Trabalho (MPT) de que ela não teve responsabilidade sobre o acidente. Segundo ele, o inquérito não vincula a Justiça do Trabalho, em razão da diferença entre a natureza jurídica do inquérito e o processo examinado.
Ainda inconformada com a condenação, a empresa tenta rediscuti-la na Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), por meio de novos embargos.
(Ricardo Reis/CF)
Processo: EDCiv-Ag-AIRR-141-51.2021.5.19.0059
Rede de lojas é condenada a indenizar vendedor por assédio eleitoral
Empregados eram obrigados a assistir a “lives” do proprietário com incitação velada a votar em seu candidato
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Havan S.A. contra o pagamento de indenização a um vendedor por assédio eleitoral. Segundo o relator, ministro Alberto Balazeiro, o abuso do poder econômico no âmbito eleitoral atinge toda a estrutura democrática. “As práticas de coronelismo não serão toleradas em nenhum nível pelas instituições democráticas do Estado Brasileiro”, afirmou. O caso será notificado ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Eleitoral.
Camisetas e “lives” sobre questões políticas
Na reclamação trabalhista, o vendedor, admitido em maio de 2018 para trabalhar na loja da Havan em Jaraguá do Sul (SC) e dispensado um ano depois, disse que a empresa obrigava seus funcionários a usar como uniforme uma camiseta com as cores e o slogan de campanha de um dos candidatos à Presidência da República. Também no período da campanha eleitoral, a gerente passou a transmitir “lives” em que o dono da empresa ameaçava de demissão os funcionários que não votassem em seu candidato.
Em sua defesa, a Havan considerou “absurdas” as alegações do vendedor. Segundo a empresa, seu proprietário “jamais escondeu suas ideologias partidárias, mas jamais obrigou qualquer funcionário a se posicionar a seu favor”. O uniforme verde amarelo, por sua vez, seria “um incentivo para melhorar o Brasil”, sem relação com a campanha presidencial da época. Ainda de acordo com a defesa, as “lives” do proprietário ocorriam de maneira aleatória, e os empregados não eram obrigados a assisti-las.
Incitação velada ao voto é postura antijurídica
O juízo de primeiro grau deferiu a indenização com fundamento justamente nas “lives”. Embora não tenha havido prova das ameaças de demissão, o juiz considerou que esse tipo de atitude constrange os trabalhadores.
Segundo a sentença, todos devem ter liberdade em suas convicções políticas, como tem o proprietário, mas a possibilidade de que a recusa em assistir às “lives” não seja bem vista pelo empregador “não é conveniente para um ambiente de trabalho saudável e para a própria saúde mental do empregado”. A conclusão foi de que houve abuso do poder diretivo, ainda que indiretamente. Com isso, a Havan foi condenada a pagar R$ 8 mil de indenização.
Ao manter a condenação, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região acrescentou que esse modo velado de incitação ao voto é antijurídico e fere o Estado Democrático de Direito, além de representar ”um verdadeiro acinte à integridade moral do cidadão brasileiro”.
Prática ameaça o exercício da cidadania
O relator do recurso de revista da Havan, ministro Alberto Balazeiro, ressaltou que o assédio eleitoral nas relações de trabalho é uma das tentativas de captura do voto do trabalhador pelo empregador, que busca impor-lhe suas preferências e convicções políticas. Trata-se, segundo ele, de um tipo de assédio moral, mas não se reduz a isso. “Representa violência moral e psíquica à integridade do trabalhador e ao livre exercício de sua cidadania”, afirmou.
De acordo com o ministro, as características específicas do meio ambiente de trabalho e as vulnerabilidades que permeiam a vida dos trabalhadores são elementos essenciais para a identificação do assédio eleitoral. “Essa modalidade de assédio, que abarca constrangimentos eleitorais de toda natureza, pode ser praticada antes, durante ou após as eleições, desde que os atos estejam relacionados ao pleito eleitoral”, observou.
A prática, prossegue Balazeiro, representa uma ruptura com os ideais de saúde e segurança no trabalho e com a efetividade da democracia. Por isso, algumas das condutas do assédio eleitoral têm repercussões não apenas na esfera trabalhista, mas também na criminal, conforme o Código Eleitoral Brasileiro (Lei 4.737/1965) e a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997). “Não há que se cogitar a existência do livre exercício da consciência política se o trabalhador está diante do temor de perder o emprego em um país como o Brasil, com 8,5 milhões de desempregados”, afirmou.
Fatos e provas demonstraram o assédio
Ao rejeitar o exame do recurso, o relator ressaltou que o TRT, com base nos fatos e nas provas do processo, concluiu que a situação configurou dano à esfera moral do trabalhador. Nesse sentido, não há espaço para o reexame desses aspectos no TST (Súmula 126), o que inviabiliza a pretensão da empresa.
A decisão foi unânime.
(Carmem Feijó)
Processo: Ag-AIRR-195-85.2020.5.12.0046
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TJRJ
27/05/2024
Não dar andamento a objeto do contrato justifica rescisão, decide juiz
Não dar andamento ao objeto do contrato caracteriza vício de consentir ao contratar. O entendimento é do juiz Euclides de Lima Miranda, da 4ª Vara Cível de Duque de Caxias.
O magistrado decretou a rescisão de contrato assinado entre a cantora de funk MC Nick e uma empresa de gerenciamento de carreira.
A autora afirma que foi obrigada a permanecer “na geladeira”, enquanto eram priorizados outros lançamentos e que artistas “de cor branca possuem preferência”.
Ela solicitou ao Judiciário a rescisão porque a multa do contrato é alta, de R$ 8 milhões.
O juiz concordou com o pedido, uma vez que as provas apresentadas comprovam “a existência de insatisfação quanto à realização do objeto do contrato”.
“O que se observa é que as partes não comungam das mesmas expectativas quanto a intensidade da promoção no lançamento da artista no mundo da música, ficando demonstrada a frustração com a não realização do objeto ao tempo que se esperava, o que caracteriza o vício de consentir ao contratar, pois à época entendeu a autora que teria ascensão mais rápida ao seu intento”, diz trecho da decisão.
“Assim é que as partes ao contratar não esclareceram de forma clara o resultado e o tempo estimado, o que influenciou na decisão, tornando o contrato maculado com o vício a justificar a rescisão sem culpa”, prossegue.
O juiz afirmou, no entanto, não ter ficado evidenciada qualquer intenção de sabotar a carreira da autora ou de a MC ter sido preterida em razão de racismo.
Além da rescisão sem ônus, a decisão determina que a empresa retire de seu site e plataforma de marketing o nome da autora, em até 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 500.
Atuou no caso o advogado Fábio Toledo. Em nota enviada à ConJur, ele comemorou a decisão e disse que o Judiciário deu “reconhecimento justo” à artista.
“Trata-se de reconhecimento justo de artista colocada na ‘geladeira’, isto é, longo tempo afastado do mercado artístico, sem poder trabalhar para terceiros sob pena de multa. É sem dúvida uma angústia para qualquer artista ser mantido na ‘geladeira’, principalmente porque a carreira musical tem uma trajetória muito rápida”, afirmou.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 0045562-32.2021.8.19.0021
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – TJSP
22/05/2024
Pessoa com autismo tem direito a vaga em residência terapêutica
O acesso igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde é considerado um postulado constitucional.
Com base nesse princípio, o juiz Alexandre de Mello Guerra, da Vara da Fazenda Pública de Sorocaba (SP), determinou que seja fornecida vaga em residência terapêutica especializada a uma pessoa com autismo.
A ordem deve ser cumprida dentro do prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 200, tendo sido fixado teto de R$ 20 mil.
“Considerando o postulado constitucional que resguarda o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde e o evidente perigo na demora, defiro a antecipação da tutela”, escreveu o juiz na decisão.
Caminho inevitável
Atuou no caso o advogado José Santana Júnior, especialista em Direito da Saúde e sócio do escritório Mariano Santana Sociedade de Advogados. Segundo ele, é comum que pessoas tenham de recorrer à Justiça para obter vaga em residência terapêutica.
“No entanto, apesar da necessidade de judicialização, os tribunais têm adotado um posicionamento favorável ao tema, reconhecendo a importância de proporcionar uma melhor qualidade de vida para os pacientes com Transtorno do Espectro Autista — Grau 3”, explicou o advogado.
“Essa abordagem judicial tem permitido que as necessidades específicas desses indivíduos sejam atendidas de forma mais eficiente e adequada, contribuindo significativamente para o seu bem-estar e desenvolvimento”, prosseguiu ele.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 1012695-69.2024.8.26.0602
29 /05 /2024
Plano de saúde deve cobrir cirurgias reparadoras pós-bariátrica, decide TJ-SP
A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 5ª Vara Cível de São José dos Campos, proferida pelo juiz Leonardo Grecco, que determinou que plano de saúde custeie cirurgias reparadoras de paciente submetida a procedimento bariátrico.
Segundo os autos, a requerente foi diagnosticada com obesidade mórbida e submetida a cirurgia bariátrica.
Devido à intervenção, a mulher passou a apresentar quadro de deformidade abdominal por excesso de pele, sendo indicado procedimentos reparadores para a correção do problema.
A empresa negou a cobertura, alegando se tratar se cirurgia estética.
Porém, para o relator do recurso, desembargador Alberto Gosson, os procedimentos são consequência direta da cirurgia bariátrica e, portanto, imprescindíveis para a reparação completa dos efeitos da obesidade mórbida de que a autora era acometida.
O magistrado também afastou a tese do rol taxativo absoluto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), uma vez que há possibilidade de cobertura de tratamentos não mencionados no mesmo.
“Dessa forma, fica mantida a procedência da demanda, para a cobertura na realização dos procedimentos reparadores devidamente prescritos”, salientou.
“Também deve ser mantida a condenação da ré ao pagamento de compensação por dano moral, pois resta caracterizada a violação do direito de personalidade, uma vez que a autora foi injustamente privada das cirurgias reparadoras necessárias, o que certamente amplificou seus transtornos psicológicos”, concluiu o magistrado.
Também participaram do julgamento os desembargadores Claudio Godoy e Alexandre Marcondes. A decisão foi por unanimidade de votos. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS – TJGO
17/05/2024
Aluno com doença renal pode se transferir para campus mais perto da família
No caso concreto, o autor da ação foi diagnosticado com uropatia obstrutiva e por refluxo, tendo sido alertado pelos médicos de que seu corpo é muito suscetível a infecções. Ele mora sozinho em Goianésia (GO), cidade que fica a 400 quilômetros de Rio Verde, onde seus pais residem. Diante disso, ele pediu a antecipação de tutela para conseguir alterar a localidade do curso.
Julgados semelhantes
Ao analisar o caso, o julgador citou casos semelhantes julgados pelo Tribunal de Justiça do Tocantins e pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região para dar provimento ao pedido.
“A educação é direito constitucionalmente garantido, nos termos em que dispõe o seu artigo 205. Na mesma linha, o direito à saúde também encontra previsão no texto constitucional. Por fim, o direito à unidade familiar está expressamente disposto na Carta Magna”, justificou o juiz.
Diante disso, ele ordenou que a universidade conceda, de imediato, o deferimento do seu pedido de transferência para o campus de Rio Verde, sob pena de multa diária no valor de R$ 500. O autor foi representado pelo advogado Henrique Rodrigues.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 5184130-54.2024.8.09.0137
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS – TJDFT
31/05/2024
De acordo com a Lei 12.764/2012, uma pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) não pode ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em função da sua condição de pessoa com deficiência (PcD).
Assim, a 1ª Vara Cível de Brasília, em liminar, na última semana, proibiu uma operadora de planos de saúde e uma empresa gestora de serviços de saúde de excluírem pacientes com autismo — exceto em casos de inadimplência ou conforme as regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Deverão ser reestabelecidos, em até três dias após solicitação formal dos beneficiários, os planos de saúde dos clientes com autismo que já foram excluídos pelas rés.
A decisão, válida para todo o país, foi tomada em uma ação civil coletiva movida por um instituto e uma organização não-governamental (ONG) em prol de todos os beneficiários autistas dos planos prestados pela operadora e administrados pela gestora.
O advogado Max Kolbe, responsável pela ação, explica que as empresas, com frequência, vinham rescindindo contratos de forma unilateral após diagnósticos de autismo e recusando a contratação de planos para consumidores com esse transtorno.
A juíza Simone Garcia Pena lembrou da lei de 2012 e de uma nota no site da ANS que proíbe a “seleção de riscos” no atendimento, na contratação ou na exclusão de beneficiários de planos de saúde.
“Nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano de saúde em função da sua condição de saúde ou idade, não pode ter sua cobertura negada por qualquer condição e, também, não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos”, diz o esclarecimento público da agência.
A magistrada ainda ressaltou que a jurisprudência é contrária ao encerramento da cobertura a pessoas em tratamento médico prescrito.
Ela confirmou que as rés vinham cancelando planos de clientes com autismo e destacou o risco de que tais pessoas “fiquem desamparadas nos cuidados essenciais ao quadro médico, com incalculáveis prejuízos à condição basilar de sua dignidade e à saúde”.
“Tratando-se de pessoas albergadas por legislação especial, ademais, consumidoras de serviço cativo e essencial à garantia de sua dignidade e sobrevivência, o argumento financeiro não pode sobrepor-se ao plexo de normas protetivas, conformadas na base do devido processo legislativo, por notada ilegalidade nesse caso revelada”, concluiu.
Nesta terça-feira (28/5), o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), anunciou um acordo verbal com operadoras para suspender cancelamentos unilaterais de planos de saúde de pessoas em tratamento de doenças graves e do TEA, além dos planos por adesão.
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Processo 0720060-41.2024.8.07.0001
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