SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL- STF
Regras sobre prescrição no curso da execução fiscal são constitucionais
A decisão unânime foi tomada em recurso com repercussão geral reconhecida.
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade das regras que disciplinam a prescrição ocorrida no curso dos processos de execução fiscal (prescrição intercorrente tributária). A decisão unânime do Plenário foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 636562, com repercussão geral (Tema 390), na sessão virtual finalizada em 17/2.
Prescrição intercorrente
De acordo com o caput do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei 6.830/1980), o juiz deve suspender a execução fiscal quando o devedor não é localizado ou quando não são encontrados bens para penhora. Nesse caso, não correrá o prazo de prescrição. Decorrido um ano na mesma situação, o processo deve ser arquivado. A partir daí, transcorrido o prazo prescricional, o magistrado deve, após ouvir a Fazenda Pública, reconhecer a prescrição intercorrente, que é de cinco anos, e decretá-la de imediato.
Lei ordinária
De acordo com artigo 146, inciso III, alínea ‘b’, da Constituição Federal, normas gerais em matéria tributária devem ser disciplinadas por meio de lei complementar. A exigência, segundo Barroso, visa dar tratamento uniforme ao instituto.
Mas, no caso, o ministro observou que a LEF, que é uma lei ordinária, se limitou a transpor, para a prescrição intercorrente, o modelo já estabelecido no artigo 174 do Código Tributário Nacional (CTN, recepcionado com status de lei complementar) para a prescrição ordinária.
O relator explicou que o tema foi regulamentado por lei ordinária porque trata de direito processual (artigo 22, inciso I, da Constituição). O prazo de suspensão de um ano previsto na LEF também não precisa estar previsto em lei complementar, por se tratar de “mera condição processual para que haja o início da contagem do prazo prescricional de cinco anos”.
Não eternização dos litígios
Por fim, Barroso afirmou que o artigo 40, parágrafo 4º, da LEF deve ser lido de modo que, após um ano de suspensão da execução fiscal, a contagem do prazo prescricional de cinco anos se inicie automaticamente, sem a necessidade de despacho de arquivamento dos autos. “Impedir o início automático da contagem após o término da suspensão poderia acarretar a eternização das execuções fiscais, em contrariedade aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal”, concluiu.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “É constitucional o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos”.
O caso
O caso concreto tratou na origem de execução fiscal ajuizada pela União para cobrar créditos tributários relativos a contribuições previdenciárias. O juiz suspendeu o curso do processo por um ano, conforme previsto na LEF. Após mais de cinco anos desde o encerramento da suspensão anual, sem nenhuma movimentação do processo pela União, foi reconhecida a prescrição intercorrente, com a extinção do direito de cobrança do crédito. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao julgar apelação, manteve a sentença. No STF, o recurso extraordinário da União foi desprovido, uma vez que foi reconhecida a prescrição intercorrente pelo tribunal de origem.
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=503024&ori=1
STF suspende regra federal que mudava base de cálculo de ICMS sobre energia elétrica
Em análise preliminar, o ministro Luiz Fux observou a possibilidade de que a União tenha invadido a competência tributária dos estados.
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu dispositivo legal que havia retirado da base de cálculo do ICMS as tarifas dos serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica e encargos setoriais vinculados às operações com energia. A liminar foi concedida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7195 e será submetida a referendo do Plenário.
Na ação, governadores de 11 estados e o do Distrito Federal questionam alterações promovidas pela Lei Complementar federal 194/2022, que classifica combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo como bens e serviços essenciais, o que impede a fixação de alíquotas acima da estabelecida para as operações em geral. Entre outros pontos, a norma modificou o inciso X do artigo 3° da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) e retirou da base de cálculo do imposto estadual os valores em questão.
Competência tributária
Na análise preliminar da matéria, o ministro observou a possibilidade de que a União, ao definir os elementos que compõem a base de cálculo do tributo, tenha invadido a competência dos estados relativamente ao ICMS. “Não se afigura legítima a definição dos parâmetros para a incidência do ICMS em norma editada pelo Legislativo federal, ainda que veiculada por meio de lei complementar”, ressaltou.
De acordo com Fux, a discussão sobre a base de cálculo adequada na tributação da energia elétrica (se o valor da energia consumida ou o da operação, que incluiria os encargos tarifários objeto da ADI) ainda está pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob o regime de recurso especial repetitivo. Contudo, ele considerou urgente a concessão da medida cautelar, especialmente em razão de possíveis prejuízos bilionários pelos estados decorrentes da norma questionada. Segundo estimativa trazida aos autos, a cada seis meses, os estados deixam de arrecadar, aproximadamente, R$ 16 bilhões, o que também poderá repercutir na arrecadação dos municípios.
Acordo
O ministro observou, ainda, que o objeto de sua decisão não está abarcado no acordo firmado entre os entes federativos no âmbito da ADI 7191 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 984, que diz respeito ao ICMS sobre combustíveis.
Leia a íntegra da decisão.
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502190&ori=1
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ
Em contrato de compra e venda de imóvel, é lícito às partes estipular correção monetária das parcelas pela Selic
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que considerou abusiva a previsão de correção pela taxa Selic em contrato de compra e venda de imóvel. Segundo os ministros, se essa taxa estiver prevista para a correção das parcelas, nada impede que seja convencionada a incidência de juros de mora.
De acordo com os autos, foi ajuizada ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel com pedido de indenização, sob o argumento de que algumas cláusulas contratuais seriam abusivas – entre elas, a que previa a Selic como índice de correção.
A sentença julgou abusiva a aplicação da taxa e determinou a sua substituição pelo IGP-M, além da restituição dos valores. Também foram reduzidos os juros de mora e a cláusula penal. O TJMS manteve a decisão.
No recurso especial, a empresa vendedora sustentou que não há ilegalidade na correção pela Selic, a qual visa recompor o valor da moeda e remunerar a concessão do parcelamento.
Juros remuneratórios e moratórios podem incidir em um mesmo contrato
A relatora, ministra Nancy Andrighi explicou que, enquanto a correção monetária serve para recompor o poder da moeda diante da inflação, os juros podem ter tanto a finalidade de recompensar o credor (remuneratórios ou compensatórios) quanto a de indenizar pelo atraso no pagamento da dívida (moratórios).
A ministra observou que, por terem finalidades distintas, os juros remuneratórios e os moratórios podem incidir em um mesmo contrato. Ela também destacou o entendimento da Segunda Seção do STJ no EREsp 670.117, de que é legal, na venda de imóvel na planta, a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves.
De acordo com Nancy Andrighi, a taxa Selic, por abranger juros e correção monetária, não pode ser cumulada com juros remuneratórios, mas isso não impede a cobrança de juros de mora, no caso de atraso no pagamento.
Para a magistrada, só se poderia falar de cláusula abusiva se houvesse incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa Selic e de juros remuneratórios, “pois se estaria diante de verdadeiro bis in idem“.
Leia o acórdão no REsp 2.011.360.
Teoria do desvio produtivo não se aplica fora das relações de consumo
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial em que se buscava o pagamento de indenização pela demora na transferência definitiva de um imóvel, após a conclusão do inventário, com base na aplicação da teoria do desvio produtivo.
Para o colegiado, não há no caso situação de desigualdade ou vulnerabilidade que justifique a aplicação da teoria, visto que a relação jurídica estabelecida entre as partes é estritamente de direito civil.
Na origem, foi ajuizada ação de obrigação de fazer para que os réus concluíssem o inventário, possibilitando assim a adjudicação de imóvel já comprado pelos autores. Também foi requerida a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.
Tribunal de origem entendeu que os autores não tinham direito à indenização
O juiz extinguiu o processo sem resolução de mérito com relação à obrigação de fazer e julgou improcedente o pedido de indenização de danos morais.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) rejeitou a aplicação da teoria do desvio produtivo, entendendo que os autores não tinham direito à indenização pelo atraso na transferência do imóvel, e negou provimento à apelação.
No recurso especial, os autores sustentaram que a perda de tempo decorrente de problemas relacionados ao descumprimento contratual, ao qual não deram causa, seria indenizável com base na teoria do desvio produtivo, que também poderia ser aplicada no âmbito exclusivo do direito civil – ou seja, fora das relações de consumo.
Teoria exige situações de desigualdade e vulnerabilidade
A relatora na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, esclareceu que a teoria do desvio produtivo tem lugar nas relações de consumo, em razão da desigualdade e da vulnerabilidade entre as partes, não podendo, dessa forma, ser aplicada nas relações jurídicas regidas exclusivamente pelo direito civil.
A ministra observou que o dano por desvio produtivo do consumidor está inserido no contexto da expansão dos danos indenizáveis, que vão além dos clássicos danos materiais e morais.
“Para os seus partidários, a referida teoria seria aplicável sempre que o fornecedor buscar se eximir da sua responsabilidade de sanar os infortúnios criados aos consumidores de forma voluntária, tempestiva e efetiva, levando a parte vulnerável da relação a desperdiçar o seu tempo vital e a desviar de suas atividades existenciais para solucionar o problema que lhe foi imposto”, explicou.
Leia também: A teoria do desvio produtivo: inovação na jurisprudência do STJ em respeito ao tempo do consumidor
Segundo a magistrada, todos os precedentes do STJ nos quais se aplicou a teoria do desvio produtivo tratavam de relações jurídicas de consumo.
A relatora apontou que, por ser o direito do consumidor um ramo especial do direito, com autonomia e lógica de funcionamento próprias, sua doutrina não pode ser livremente importada por outros ramos do ordenamento jurídico. “A importação acrítica de doutrinas e teorias, sem o rigor e a coerência necessários, é um dos mais graves desafios enfrentados pelo direito civil contemporâneo”, comentou Nancy Andrighi.
Leia o acórdão no REsp 2.017.194.
Penhora de fundo de investimento não transforma exequente em cotista, decide Terceira Turma
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a penhora de cotas de fundo de investimento não confere automaticamente ao credor exequente a condição de cotista, não o sujeitando aos riscos provenientes dessa espécie de aplicação.
Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado deu provimento a recurso especial da Fundação dos Economiários Federais (Funcef) e definiu que eventuais oscilações de valor das cotas de fundo de investimento pertencentes ao executado não podem prejudicar nem beneficiar a parte exequente, à qual não é possível repassar valor superior ao do título em execução.
O caso analisado tratou de execução que envolveu cotas de um fundo de investimento. Houve valorização das cotas antes do resgate, e a Funcef questionou a decisão que, em cumprimento de sentença, determinou a expedição de mandados de pagamento em favor das partes quanto ao montante reservado na conta judicial.
A Funcef sustentou não ser direito da exequente receber a mais por conta de valorização das cotas, alegando excesso indevido, além da necessidade de se observar o princípio da fidelidade ao título.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que, por aceitar a penhora sobre cotas de fundo de investimento, a exequente passou a integrar aquele negócio jurídico, assumindo a condição de investidora do fundo e se sujeitando aos riscos inerentes, ao menos em relação às cotas representativas do seu verdadeiro crédito.
Penhora não afeta direito de propriedade antes da expropriação final
Segundo o relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, o objetivo da penhora é preservar os bens para o efetivo e oportuno cumprimento da obrigação – tornando ineficaz, em relação ao exequente, qualquer ato de disposição praticado pelo executado –, mas ela não interfere no direito de propriedade do devedor enquanto não operada a expropriação final.
Para o ministro, quando a constrição incide sobre cotas de fundo de investimento – espécie de valores mobiliários, incluídos no rol legal de preferência de penhora, conforme indicam o artigo 835, III, do Código de Processo Civil (CPC) e o artigo 2º, V, da Lei 6.385/1976 –, a propriedade desses bens se mantém com o devedor investidor, até o resgate ou a expropriação final.
Oscilação de valor pode exigir complementação ou exclusão de excesso
Bellizze considerou indevida a transferência ao exequente da circunstância inerente a esse tipo de negócio jurídico (que vincula apenas os cotistas contratantes), pois não seria possível lhe impor os ônus nem atribuir os bônus respectivos, ainda mais diante do princípio da relatividade dos efeitos do contrato.
“Enquanto não operado o resgate ou a expropriação final das cotas de fundo de investimento penhoradas, a superveniente desvalorização desses bens faz surgir para o exequente o direito de requerer a complementação da penhora, na linha do que prevê o artigo 850 do CPC/2015”, afirmou.
Por outro lado, acrescentou o ministro, a superveniente valorização das cotas exige que seja excluída, no momento do efetivo pagamento, a importância que superar o crédito exequendo devidamente atualizado e acrescido dos encargos legais – sob pena de se incorrer em indevido excesso de execução, atingindo valor superior àquele constante do título executivo, nos termos do artigo 917, parágrafo 2º, I e II, do CPC.
No caso analisado, ao decidir pela reforma do acórdão do TJRJ, Marco Aurélio Bellizze limitou o valor a ser levantado pela parte exequente àquele efetivamente constante do título executivo judicial, devidamente atualizado e acrescido de juros de mora e honorários de advogado.
Leia o acórdão no REsp 1.885.119.
Terceira Turma afasta aplicação do CDC e nega redução da taxa de ocupação de imóvel com alienação fiduciária
No sistema de financiamento de imóvel com alienação fiduciária, caso o comprador inadimplente permaneça no local mesmo após a consolidação da propriedade em favor do credor, este tem direito à taxa pela ocupação indevida, a qual é fixada em 1% ao mês ou fração sobre o valor atualizado do bem, nos termos do artigo 37-A da Lei 9.514/1997, e não admite redução pelo Judiciário.
O entendimento foi estabelecido por maioria de votos pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que havia reduzido a taxa de ocupação para 0,5%, por considerar que, no caso dos autos, o percentual de 1% colocaria o consumidor em condição de excessiva onerosidade.
No julgamento, aplicando o princípio da especialidade, a Terceira Turma afastou a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 402 do Código Civil.
De acordo com os autos, após tentativa frustrada de anulação do contrato pelos compradores, a propriedade do bem foi consolidada em nome da construtora. Apesar da decisão judicial desfavorável, os compradores permaneceram na posse do bem durante mais de um ano e meio. Em razão do tempo de permanência no imóvel, o juiz de primeiro grau fixou a taxa de ocupação em 0,5% – sentença mantida pelo TJDFT.
Conflito aparente de normas deve ser resolvido com base no critério da especialidade
No voto que prevaleceu na Terceira Turma do STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que, embora o voto condutor tenha analisado a controvérsia a partir do artigo 402 do Código Civil, a questão sobre as consequências da ocupação indevida de imóvel pelo devedor fiduciante está regulada especificamente pelo artigo 37-A da Lei 9.514/1997, com redação dada pela Lei 13.465/2017.
Segundo o ministro, havendo mais de uma norma que, em tese, incida sobre o mesmo fato jurídico, é necessário considerar os critérios de especialidade e de cronologia estabelecidos pelo artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
“A partir desses parâmetros, é pacífica na jurisprudência desta corte a compreensão de que, em face de uma (aparente) antinomia normativa, a existência de lei posterior e especial regendo o tema determina a norma aplicável à hipótese concreta”, afirmou.
O ministro também citou jurisprudência do STJ no sentido de que, na hipótese dos autos, também não são aplicáveis as regras do CDC, exatamente em razão do critério da especialidade das normas. Como consequência, ele considerou plenamente aplicável o artigo 37-A da Lei 9.514/1997, de forma a autorizar a incidência da taxa de ocupação no percentual de 1% sobre o valor atualizado do imóvel.
Leia o acórdão no REsp 1.999.485.
CDC não se aplica a contratos de empréstimo para capital de giro
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não pode ser aplicado à relação jurídica oriunda da contratação de empréstimo para estímulo de atividade empresarial.
A controvérsia teve origem em ação revisional de empréstimos para capital de giro ajuizada por uma empresa contra uma cooperativa de crédito, com o objetivo de rever os encargos convencionados em cédulas de crédito bancário. No curso da ação, a pedido da autora e com fundamento no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, o juízo de primeiro grau determinou a inversão do ônus da prova.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), ao manter a decisão, concluiu pela incidência da proteção do CDC, sob o fundamento de que a legislação consumerista é aplicável às cooperativas de crédito, que se equiparam às instituições financeiras. Segundo o TJMT, a teoria finalista mitigada permitiria considerar consumidora a pessoa física ou jurídica que, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, comprove sua vulnerabilidade.
Ao STJ, a cooperativa sustentou que a autora da ação não pode ser considerada destinatária final do serviço, uma vez que o contrato de capital de giro tem como finalidade exclusiva o estímulo para aquisição de insumos e pagamento de despesas empresariais.
Processo não traz prova de vulnerabilidade
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que o STJ possui orientação no sentido de que o CDC se aplica às cooperativas de crédito, na medida em que elas integram o Sistema Financeiro Nacional e, portanto, são equiparadas às instituições financeiras.
A magistrada destacou, entretanto, que, embora a recorrente seja uma cooperativa de crédito, a recorrida não pode ser considerada consumidora, pois a aplicação do CDC à relação entre elas exigiria a demonstração de que há determinada vulnerabilidade capaz de colocar a sociedade empresária contratante em situação de desvantagem ou desequilíbrio diante da contratada – o que não ficou comprovado no processo.
Objetivo do financiamento era incrementar atividade lucrativa
Nancy Andrighi lembrou que, de acordo com os autos, foi contratado financiamento bancário para capital de giro, destinado a incrementar atividade produtiva e lucrativa, o que impede o enquadramento da empresa contratante no conceito de consumidora.
A relatora apontou que, nos termos da jurisprudência do STJ, o CDC é inaplicável na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço. Segundo a magistrada, não se pode admitir, portanto, a aplicação do CDC a contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para obtenção de capital de giro.
“Inexistindo relação de consumo entre as partes, mas, sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do ônus da prova ope judicis (artigo 6º, inciso VIII, do CDC)”, concluiu a magistrada ao dar provimento ao recurso especial da cooperativa de crédito.
Leia o acórdão no REsp 2.001.086.
É possível emitir duplicata com valor calculado na cláusula take or pay, decide Terceira Turma
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível a emissão de duplicata fundada em contrato de compra e venda com a indicação de valor calculado com base na cláusula take or pay.
Com esse entendimento, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que declarou a nulidade de duplicatas emitidas com base na cláusula take or pay sob o argumento de que ela estabelece um consumo mínimo e não representa efetiva compra e venda.
A controvérsia envolveu ação declaratória de nulidade de duplicatas ajuizada por uma indústria de bebidas contra uma fornecedora de gás. As empresas mantinham contrato com cláusula de consumo mínimo, considerada válida pelo juízo de primeiro grau.
A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a cláusula take or pay consiste em disposição contratual por meio da qual o comprador se obriga a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja entregue ou consumido.
“Uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizada, independentemente da flutuação da sua demanda”, afirmou a ministra, acrescentando que as principais finalidades da cláusula são alocar riscos entre as partes e garantir o fluxo de receitas para o vendedor.
Natureza jurídica da cláusula take or pay
Por contemplar obrigação de pagar quantia, a cláusula take or pay diz respeito à própria obrigação principal, disse Nancy Andrighi. Para ela, diversamente da cláusula penal, a take or pay não pressupõe a inexecução da obrigação principal, mas compõe a obrigação, já que define o valor a ser pago pela disponibilização de um volume específico de produtos e serviços.
“Portanto, a cláusula take or pay tem natureza obrigacional, e não penal, motivo pelo qual está sujeita ao regime geral do direito das obrigações”, ressaltou.
Todavia, segundo a ministra, deve ser avaliada, em cada hipótese, a finalidade dos contratantes na estipulação da cláusula, conforme o artigo 112 do Código Civil (CC). Isso porque não deve ser descartada a hipótese de as partes denominarem determinada disposição contratual como take or pay quando, na verdade, se trata de uma cláusula penal.
Emissão de duplicata com base em contrato de fornecimento de gás
Em sua fundamentação, Nancy Andrighi observou que a duplicata é título de crédito causal, com emissão fundada em uma compra e venda mercantil ou em uma prestação de serviços.
No caso julgado, ela considerou o contrato de fornecimento de gases um contrato de compra e venda, como o previsto no artigo 481 do CC, por existir a obrigação de fornecimento de certa quantidade de gás em troca de certa quantia em dinheiro.
Assim, para a magistrada, considerando a natureza obrigacional da cláusula take or pay, a inserção dessa espécie de disposição negocial em contrato de compra e venda de gases não deturpa o negócio jurídico, que não deixa de ser considerado uma compra e venda.
“O cálculo do montante devido com base na cláusula take or pay não quer dizer que não houve uma efetiva compra e venda. Na realidade, existe um contrato de compra e venda, mas, em determinada época, em razão de o consumo do produto ou serviço ter sido inferior ao mínimo disponibilizado, o preço devido foi calculado nos moldes do previsto na cláusula take or pay“, afirmou.
Ao dar provimento ao recurso especial da empresa de gases, Nancy Andrighi observou ser possível emitir duplicata fundada em contrato de compra e venda com valor calculado com base na cláusula take or pay.
Leia o acórdão no REsp 1.984.655.
Remuneração do administrador judicial não pode se sujeitar à forma fixada no plano de recuperação
A remuneração do administrador judicial deve ser fixada pelo juízo com base nos critérios legais e não pode se sujeitar à forma de pagamento estabelecida pelo plano de recuperação da empresa, pois a exigência de imparcialidade impede que haja negociação com os devedores ou com os credores.
Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, deu provimento ao recurso especial de uma administradora judicial que teve sua remuneração fixada pelo juízo de primeiro grau em 0,25% do valor da recuperação apresentado com a petição inicial, a ser paga na forma do plano de recuperação.
Contra a decisão de primeira instância, a administradora interpôs agravo de instrumento, pleiteando a majoração dos honorários para 1,37% do valor dos créditos. Segundo a recorrente, caso a sua remuneração se sujeitasse ao plano, sofreria deságio e, ainda, uma carência de 24 meses para o pagamento, o que inviabilizaria o seu trabalho.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) negou provimento ao recurso por não verificar prejuízo à administradora nem vedação legal a que o pagamento obedecesse aos critérios fixados no plano.
Remuneração do administrador judicial é insuscetível de negociação
O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a remuneração dos administradores judiciais não se submete aos efeitos do plano, seja para incidir sobre ele eventual deságio ou carência, seja para ser pago de forma diferida ou parcelada. Segundo o magistrado, isso se deve ao fato de se tratar de um crédito extraconcursal, pois seu fato gerador é posterior ao pedido de recuperação (artigo 49 da Lei 11.101/2005).
O magistrado destacou que a remuneração do administrador é insuscetível de negociação, quer com os devedores, quer com os credores, diante da necessidade de garantir sua imparcialidade. “Logo, não é possível sua inclusão no plano redigido pelo devedor, ou pelos credores (artigo 56, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005), nem tampouco a votação por sua aprovação ou rejeição pelos credores”, afirmou o ministro.
Ao dar provimento ao recurso especial, Cueva ressaltou ainda que a carência de 24 meses prevista no plano faria com que os honorários começassem a ser pagos só após o encerramento da recuperação (artigo 61 da Lei 11.101/2005), o que viola o disposto no artigo 63, I, da mesma norma.
“Nesse cenário, impõe-se a reforma do acórdão recorrido para afastar a submissão da forma de pagamento dos honorários do administrador judicial ao plano de recuperação, devendo ser fixada pelo juízo, na forma do artigo 24 da Lei 11.101/2005“, concluiu.
Leia o acórdão no REsp 1.905.591.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST
Sindicato pode atuar em nome de toda a categoria em ação sobre gratificação
A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Uberaba para representar os empregados da Caixa Econômica Federal (CEF) em ação visando à manutenção da incorporação de gratificação de função recebida por mais de 10 anos. Com isso, o processo retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) para que examine os recursos da Caixa e do sindicato.
Substituto processual
A ação civil pública foi ajuizada pelo sindicato como substituto processual dos trabalhadores com o mesmo interesse, e o pedido foi julgado procedente pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Uberaba (MG). Contudo, no exame do recurso ordinário da Caixa, o TRT considerou a entidade sindical ilegítima para entrar na Justiça em nome dos bancários e extinguiu o processo. O entendimento foi o de que os pedidos formulados na reclamação exigiriam o exame de cada caso, o que afastava a homogeneidade necessária à legitimação sindical.
Mesma condição
Ao analisar o recurso de revista, a relatora, ministra Delaíde Miranda Arantes, observou que o artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal atribui aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. Segundo ela, a interpretação dada pelo TST e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao dispositivo indica que eles estão autorizados a atuar em nome de toda a categoria, “sindicalizados e não sindicalizados e até ex-empregados, cujo direito (incorporação da gratificação) é proveniente de causa comum (trabalho para o mesmo empregador), afeto a uma gama de pessoas na mesma condição”.
Ainda de acordo com a relatora, o cálculo do direito eventualmente reconhecido na ação dependerá da apresentação individualizada de provas, a fim de verificar se a decisão abrange cada caso. Isso, contudo, “não desnatura a homogeneidade dos direitos”.
A decisão foi unânime.
(LT/CF)
Processo: RR-11712-56.2017.5.03.0042
Dispensa por justa causa de motorista de ônibus que não renovou CNH é válida
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou correta a dispensa por justa causa de um motorista de ônibus da Integração Transportes Ltda., de Manaus (AM), que teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa por não tê-la renovado no tempo certo. Para o colegiado, ao proceder dessa forma, ele comprometeu o desempenho de suas atividades.
Carteira vencida
Na reclamação trabalhista, o motorista disse que estava no processo de renovação da CNH, fazendo o exame psicológico, quando a empresa o demitiu, três dias depois de a validade do documento expirar. Ele pretendia, com a ação, a conversão da justa causa em dispensa imotivada, com o pagamento de todas as parcelas rescisórias devidas.
Controle
A empresa, em sua defesa, disse que mantinha um rigoroso controle do vencimento das CNHs de todos os seus motoristas e que havia notificado o empregado, com 60 e com 30 dias de antecedência, que seu documento venceria. Contudo, ele não providenciou a renovação a tempo, causando prejuízo para o bom andamento dos trabalhos no setor.
Reversão
O pedido foi julgado improcedente pela 19ª Vara do Trabalho de Manaus, mas, para o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM), a não renovação da CNH no prazo estabelecido por lei, por si só, não caracterizava falta grave. Desse modo, converteu a rescisão contratual em dispensa imotivada e deferiu as parcelas de aviso prévio, 13º salário proporcional, férias simples e proporcionais, além do FGTS com a multa de 40% e a liberação das guias de seguro desemprego.
Requisito indispensável
Em sentido contrário, a Quarta Turma do TST concluiu que, ao permitir que um requisito indispensável para o exercício de sua profissão fosse suspenso, o trabalhador comprometeu de forma grave o desempenho de suas atividades, o que justifica a dispensa. “Não é razoável obrigar a empregadora a manter um motorista inabilitado, por não ter procedido à renovação da carteira”, disse a ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora do do recurso de revista da transportadora.
A decisão foi unânime.
(Glauco Luz/CF)
Processo: RR-1069-86.2017.5.11.0019
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO – TRT 1
Expectativa frustrada de contratação gera indenização por danos morais
A 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) manteve a condenação de uma empresa a pagar indenização por danos morais por frustrar a expectativa de contratação de um candidato à vaga de emprego. Durante três meses, o pretendente à vaga ficou envolvido em uma série de trâmites, desde o processo seletivo à abertura de uma conta bancária para receber salário. Entretanto, ao final dos procedimentos, não foi contratado. O colegiado acompanhou, por unanimidade, o voto da relatora, a juíza convocada Márcia Regina Leal Campos, que considerou a atitude da empregadora como abuso de direito.
No caso em tela, o trabalhador relatou que iniciou o processo seletivo em 30/12/19 para função de auxiliar de almoxarifado na empresa CB Rio Botafogo Comércio de Alimentos LTDA. Alegou que, durante a fase de recrutamento, teve que comparecer ao estabelecimento da empresa por cinco vezes, para apresentação, teste, entrevistas, entrega de documentos e ambientação. Após a confirmação de sua contratação, a empresa determinou ao candidato que fossem realizados os trâmites necessários para a efetivação do preenchimento da vaga, tais como exame admissional e abertura de conta bancária para receber o salário. No entanto, após todos esses procedimentos, o profissional foi informado que não poderia ser contratado em razão da sua altura. Assim, pleiteou indenização por danos morais.
A empregadora, em sua defesa, admitiu que o profissional foi aprovado no processo seletivo e que foi entregue a ele a documentação pertinente para a contratação. No entanto, alegou que o candidato aprovado não compareceu à empresa para iniciar suas atividades laborais. A empresa negou a rejeição por conta da altura.
No primeiro grau, a juíza Raquel Fernandes Martins, titular da 10ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, julgou procedente o pedido de indenização por dano moral, fixando o valor em três vezes o salário prometido (R$ 3.218,49). A magistrada entendeu ser incontroversa a contratação, evidenciada pela solicitação de abertura de conta bancária. Em sua sentença, a juíza observou, ainda, que uma testemunha ouvida nos autos relatou que o coordenador do setor de Recursos Humanos teria dito que o profissional “no almoxarifado não poderia trabalhar, pois era alto e o teto era baixo, para evitar acidentes de trabalho”. Assim, concluiu a magistrada que a frustração da promessa de contratação, sem justificativa legítima, dá ensejo à indenização por dano moral, por violação à boa-fé objetiva.
Inconformada com a sentença, a empresa recorreu da decisão. O trabalhador também recorreu, pleiteando o aumento do valor da indenização por danos morais.
No segundo grau, o caso foi analisado pela juíza convocada Márcia Regina Leal Campos, que acompanhou o entendimento do juízo de origem. “A atitude do réu é reprovável, já que criou grandes expectativas ao autor, especialmente com a emissão do documento de solicitação de abertura de conta-corrente, na qual consta inclusive a data de admissão e valor do salário. Ressalto que, diante da dificuldade econômica, a atitude de iludir pessoas que estão em busca de emprego, causando gastos para comparecer aos locais, dispondo do seu tempo de vida e gerando expectativas que sabe que não vai satisfazer, enseja a violação a direitos extrapatrimoniais que devem ser reparados”, observou a magistrada em seu voto.
A juíza convocada ressaltou, ainda, que a empresa abusou de seu direito potestativo, com a falsa promessa de contratação, o que configura conduta ilícita nos termos do artigo 187 do Código Civil. Assim, a relatora manteve integralmente a decisão do primeiro grau em todos os quesitos, inclusive no valor arbitrado para indenização, que considerou justo e razoável. Os integrantes da 9ª Turma acompanharam o voto por unanimidade.
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