Supremo Tribunal Federal (STF)
STF pode abrir “caixa de pandora processual” no caso sucroalcooleiro
A sugestão de que o Supremo Tribunal Federal pode mudar a jurisprudência até então tranquila em referência à indenização de usinas do setor sucroalcooleiro em decorrência do tabelamento de preços praticado até os anos 1990 pode ter graves consequências processuais e econômicas. Essa é a opinião de especialistas em seminário virtual promovido nesta segunda-feira (1/6) pela TV ConJur.
O debate é parte da série de encontros chamada “Segurança na Crise” e que teve como tema “Covid-19, Setor Sucroalcooleiro e o Judiciário”. Em pauta, o julgamento do caso da Usina Matary, em Pernambuco, paralisado por pedido de vista no STF.
Nos últimos 15 anos e de maneira uniforme, o STF definiu que o Estado deve indenizar as empresas do setor porque gerou prejuízo levado pelo tabelamento dos preços entre os anos de 1985 e 1999. O valor fixado esteve abaixo do indicado pela Fundação Getúlio Vargas, que foi contratada para estabelecer uma média a partir de pesquisa de mercado.
Ao julgar o caso da Usina Maraty, de Pernambuco, o ministro Luiz Edson Fachin abriu uma nova interpretação ao entender que é imprescindível uma perícia técnica para comprovar prejuízo em cada caso concreto. Até o momento, foi seguido pela ministra Rosa Weber, enquanto há três outros votos abrindo divergência.
Na avaliação de especialistas consultados pela TV ConJur, o resultado tem impacto na aplicação da teoria da responsabilidade objetiva e pode influenciar outros variados setores que busquem reparação por prejuízos ocasionados por ações do estado. Além disso, ameaça a segurança jurídica que é papel do Supremo, além abrir brecha para nova enxurrada processual na corte.
Questão processual
Para Gustavo Binembojn, professor titular de Direito Administrativo da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), esse entendimento pode abrir uma “caixa de Pandora” indesejável para o Supremo, na medida em que pode influenciar outros setores. Como exemplo, ele aponta de companhia aéreas em que o STF reconheceu o caráter expropriatório da política de preço das tarifas aéreas. Alinhar o prejuízo ao desempenho da empresa, principalmente quando tantas delas faliram, teria consequências custosas para o poder público,
“Toda vez que uma corte cede à tentação de responder a restrições fiscais contingentes de uma determinada conjuntura econômica usando de seu poder para rever jurisprudência consolidada e, talvez cedendo a necessidades ou pressões do momento, as consequências em termos processuais são incalculáveis. E extraprocessuais, até mais grave. O barato sai caro”, opinou.
A ex-advogada-Geral da União Grace Mendonça também chamou a atenção para a possibilidade de ligar a indenização pelo estado a outras circunstancias que não guardam relação direta com a ação que deu causa ao prejuízo. “Esse precedente é sério, porque abre a possibilidade em outras demandas para afirmar que forma como a empresa se comportou diante do dano é que vai ser determinante para aferir o quantum a ser indenizado”, disse.
Tributarista e professor titular de Direito Financeiro da USP, Fernando Facury Scaff ressalta que o impacto da decisão vai ultrapassar o setor sucroalcooleiro e atingir toda a sociedade. “Pode modificar a situação de uma jurisprudência já posta sem uma justificativa que ampare essa mudança. E mais: com problemas para todo o setor que já teve julgamentos feitos”, afirmou.
Teoria da responsabilidade objetiva
Grace explicou que a Constituição é muito clara sobre o dever de indenizar do estado pela ação de pessoas jurídicas de Direito Público, segundo o artigo 37, parágrafo 6º. “Do ponto de vista teórico, estaríamos inserindo um quarto elemento na teoria da responsabilização do estado”, afirmou.
Os três primeiros elementos, já percebidos em todos os outros julgados do STF, são: uma ação estatal (o tabelamento de preços), um dano (o tabelamento abaixo do estabelecido pela FGV) e o nexo de causalidade (a escolha deliberada do governo de tabelar abaixo dos valores apontados pela pesquisa de mercado).
“O quarto elemento seria a capacidade de reação do terceiro lesado em face da ação estatal”, apontou. “Não há relação direta entre o resultado contábil e a política de preços praticada pelo governo no período. O direito à indenização é garantido constitucionalmente, tenha a empresa resultado positivo ou negativo”, concorda Binembojn.
Segurança Jurídica
Desde o primeiro precedente sobre o tema, em 2005, o Supremo julgou outros 40 casos da mesma maneira, sem qualquer desvio. Grace Mendonça trouxe dados que indicam que 138 precatórios foram expedidos, 61 ações transitaram em julgado e 72% das ações já estão acobertadas pelo manto da coisa julgada. A possível mudança de jurisprudência seria um golpe na segurança jurídica.
“A segurança jurídica precisa se transformar em um capital do país. Os poderes precisam abraçar essa causa”, destacou a ex-AGU.
“A jurisprudência pode mudar, desde que isso seja justificado, fundamentado. Desde que as condições tenham se modificado em relação aos outros 40 casos — pra citar o exemplo aqui em discussão. Se há um distinguishing, uma distinção para posição anterior, então se justifica a mudança. Senão, a jurisprudência deve ser mantida”, opinou Scaff.
Binembojn manifestou preocupação pelo fato de o STF, em uma situação de crise econômica gerada pela pandemia, pretender se desviar da jurisprudência dominante sem enfrentar abertamente os procedimentos estabelecidos pelo Código de Processo Civil para que essa revisão ocorra.
Não há contradição entre a ementa e o acórdão do primeiro caso julgado em 2005, afirma o professor. E em nenhum dos outros 40 casos isso foi discutido. “Daí para se derivar para uma discussão nova e, pior, para vincular a existência do dever de indenizar à verificação do prejuízo contábil como condição não é uma virada jurisprudencial: é um duplo twist carpado [uma das piruetas mais difíceis da ginástica artística]”, disse.
Segundo Grace, o STF está diante de uma situação relevante que vai nortear toda uma perspectiva de tratamento igualitário e da valorização da jurisprudência. “Quando consideramos que soluções distintas para casos idênticos envolvendo determinado setor produtivo acabam gerando um descompasso na perspectiva concorrencial — pois no caso todas as empresas disputam o mesmo segmento de mercado — a reafirmação da jurisprudência é algo que acaba tendo um valor diferenciado”, concluiu.
ARE 884.325
Supremo declara constitucional acordo comum para ajuizar dissídio coletivo
A exigência de mútuo acordo entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo busca implementar boas práticas internacionais e ampliar direitos fundamentais dos trabalhadores, na medida em que privilegia o acordo de vontades. Desta forma, não há violação às cláusulas pétreas previstas na Emenda Constitucional 45.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do chamado acordo comum para ajuizamento de dissídio coletivo. O julgamento virtual encerrou na última quinta-feira (28/5), com a maioria do colegiado acompanhando o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.
Ao todo, cinco ações foram ajuizadas por confederações trabalhistas que alegam que o § 2º do artigo 114, ao condicionar o ajuizamento de dissídio coletivo à anuência do empregador, viola os princípios da autodeterminação, da inafastabilidade do Poder Judiciário, da razoabilidade e da liberdade individual.
Segundo as ações, a medida “coage as partes a resolverem os conflitos entre si ou por meio de árbitro, privando, ainda, uma das partes em negociação coletiva do direito de, unilateralmente, acionar o judiciário para a solução das divergências surgidas”.
Ao analisar a questão, o relator entendeu que não há qualquer ofensa aos princípios da inafastabilidade jurisdicional e do contraditório. Para ele, a exigência prevista no artigo 114 da Constituição Federal não impede o acesso ao Poder Judiciário, vez que trata-se da condição da ação.
Além disso, Gilmar Mendes considerou acertada a manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido que a Emenda Constitucional 45, ao exigir o mútuo acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo, atende à Convenção 54 da Organização Internacional do Trabalho.
O ministro afirmou que no caso do Brasil, “isso significa enfraquecer o poder normativo que era dado à Justiça do Trabalho e expandir os meios alternativos de pacificação, como a mediação e a arbitragem, mesmo que estatal”. Gilmar apontou ainda que a jurisprudência do STF destaca a importância dos acordos coletivos na Justiça do Trabalho.
Os ministros também entenderam que o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ajuizar dissídio coletivo em caso de greve em atividades essenciais.
Ficaram vencidos os ministros Luiz Edson Fachin, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Fachin apontou que a Justiça do Trabalho “não pode ser esvaziada de seu poder de disciplinar, com força normativa para toda a categoria, sua interpretação acerca dos dissídios de natureza coletiva”.
Não participou do julgamento, o ministro Dias Toffoli, que está afastado por licença médica. O ministro Luiz Fux declarou suspeição.
Clique aqui para ler o voto do relator
ADIs 3.392, 3.223, 3.431, 3.432 e 3.520
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
STJ prorroga sessões por videoconferência até o final do semestre judiciário
O Superior Tribunal de Justiça terá sessões de julgamento por videoconferência até 1º de julho. A medida, adotada em razão da epidemia do coronavírus, consta da Instrução Normativa STJ/GP 9, publicada nesta segunda-feira (1/6).
As sessões por videoconferência, das turmas, seções e da Corte Especial, foram autorizadas pelo Pleno do STJ em abril e começaram a ser realizadas no dia 5 de maio.
Procedimentos
A realização das sessões no formato excepcional conta com a regular participação do Ministério Público e dos advogados das partes, que podem fazer sustentação oral ou apresentar questões de fato. Os advogados precisam preencher o formulário de inscrição até 24 horas antes do horário do início da sessão por videoconferência.
Um tutorial preparado pela Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do STJ auxilia os advogados no acesso ao ambiente das sessões. Todas as sessões são transmitidas ao público pelo canal do STJ no YouTube, inclusive com tradução para a Libras. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
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