LUCIANO ARAGÃO[1]
RESUMO:Pretende-se, com o presente estudo, fomentar o debate doutrinário a respeito de uma forma específica de exteriorização da culpa, a culpa anterior. Essa modalidade de culpa, pouco conhecida doutrinariamente e utilizada até então fora do direito público, foi posicionada no presente trabalho como condutor da responsabilidade pessoal do Gestor Público. Metodologicamente, o tema será exposto em sessões, que versarão sobre o aspecto histórico da culpa, o conceito de culpa, modalidades de culpa e culpa anterior.
PALAVRAS-CHAVE: culpa anterior; danos sociais; gestor público.
ABSTRACT: The present study intends to foment the doctrinal debate regarding a specific form of externalization of guilt, the previous guilt. This modality of guilt, little known doctrinally and used until then outside public law, was positioned in the present work as the driver of the personal responsibility of the Public Manager. Methodologically, the theme will be exposed in sessions, which will deal with the historical aspect of guilt, the concept of guilt, modalities of guilt and.
KEY WORD: previous guilt; social damages; public manager
- INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu art. 193[2], determina que a Ordem Social tem, como objetivo, o bem-estar e a justiça sociais. Em seu preâmbulo, expressa que os representantes do povo reunidos em Assembléia Nacional Constituinte instituíram, por meio da promulgação da Constituição Federal, um Estado Democrático destinado a assegurar os direitos sociais e o bem-estar do povo brasileiro.
No capítulo destinado ao Meio Ambiente, a Carta Magna expressa que é responsabilidade do Poder Público defender e preservar o meio ambiente para as gerações futuras.
Em outubro próximo, a Constituição fará 30 anos de promulgada e o meio ambiente, neste espaço de tempo, não foi eficazmente defendido e preservado. Sendo assim, é possível, ao menos em tese, ação reparatória para os danos sociais à geração de jovens adultos de hoje.
A modalidade de culpa, por não ter defendido e preservado o meio ambiente para as gerações futuras, é o objeto central de nosso estudo, a qual denominamos de culpa anterior.
Em breves linhas, traçamos o histórico da culpa desde tempos remotos, passando por sociedades primitivas até chegarmos aos tempos modernos.
Ao conceituarmos culpa, sua aplicação in abstrato e in concreto e as modalidades de culpa utilizadas no direito brasileiro, verificamos que a culpa anterior, a qual a Constituição se refere, não está doutrinariamente posicionada no direito brasileiro.
Assim, conceituamos a culpa anterior nos ramos do direito público e privado como forma de supedâneo do ato ilícito praticado pelo Gestor público Chefe do Executivo, Secretário e Ministro de Estado, e também pelos Presidentes e Diretores de Autarquias, Fundações, Estatais e Empresas Públicas que detêm o monopólio de certas atividades econômicas.
O dano social é a forma de indenização quando o ilícito é oriundo da culpa anterior; a prova de sua existência é in re ipsa; os legitimados ativos são os mesmos autorizados a propor ação civil pública e popular e os legitimados passivos são os Chefes do Executivo, seus Secretários e Ministros de Estado, assim como os presidentes de autarquias, estatais, fundações e empresas públicas que detém o monopólio de certas atividades econômicas.
Mesmo na hipótese de responsabilidade objetiva, a culpa está presente na forma presumida, o que geralmente ocorre em razão do risco da atividade.
Defendemos que a responsabilidade, no caso de culpa anterior, é pessoal do Gestor Público e, para tanto, nestes casos, a responsabilidade é subjetiva, não se aplicando o §6° do art. 37 da CRFB[3].
II – ASPECTO HISTÓRICO DA CULPA
Desde as mais primitivas eras da humanidade, o ser humano sempre procurou culpar outrem, muitas vezes para aliviar-se do fardo da culpa pessoal. Desta forma, sempre atribuiu a culpa, quando sua, ao abstrato ou ao desconhecido.
Assim, culpavam-se os fenômenos naturais como se fossem ira dos Deuses por atos que, invariavelmente, eram oriundos da negligência ou imprudência humana.
Até nos dias atuais, costumamos ouvir pessoas culpando o seu “destino” em razão de insucessos em sua vida pessoal e profissional, como se nossa existência fosse um roteiro de peça de teatro, onde tudo e todos já nascem com seu papel definido.
A mea culpa ainda é um fardo que poucos seres humanos conseguem suportar, mas, a meu sentir, é a chave para seu crescimento pessoal e profissional.
Avançando mais no tempo, e sob o império da vendetta[4], os homens organizados em sociedades primitivas reagiam aos danos causados por outrem com a vingança coletiva, ou seja, todo o patrimônio e pessoas da tribo do ofensor poderiam sofrer com a vingança privada coletiva. Era a retribuição do mal com o mal[5].
As ideias iniciais sobre distinção de pena e reparação foram estabelecidas pelos romanos, ante a diferenciação entre delitos públicos e privados. Destarte, o delito público tinha uma conotação mais elevada, quando havia violação de norma jurídica que o Estado considerava de relevante importância social, enquanto o delito privado era a ofensa feita à pessoa ou aos seus bens (MOREIRA ALVES, 2003, p. 223).
Temas de interesse das Polis/urbe[6]como, por exemplo, religiosos, políticos, morais, econômicos, etc., culminaram na evolução da responsabilidade civil extracontratual.
É incontestável, entretanto, que a evolução do instituto da responsabilidade extracontratual ou aquiliana se operou no direito romano quando se introduziu o elemento subjetivo da culpa, contra o objetivismo do direito primitivo, expurgando-se do direito a ideia de pena, para substituí-la pela de reparação do dano sofrido. (Jean Schmidt, 1928, p.28).
Sabemos que a culpa é pressuposto do ato ilícito na responsabilidade civil subjetiva. Implica um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, configurando o nexo de imputação do fato ao agente. (Antunes Varella, 1977, pág. 219).
Age com culpa aquele que, defrontado com situações do dia a dia ou mesmo emergenciais, deveria ter agido de outra forma, ou da forma esperada pelo grau de cautela do homem médio – bonus pater familias.
Definimos a culpa em razão das regras prescritas pelo direito, mas não apenas essas a define; os costumes e as regras de convívio sociais não escritas também são consideradas como violadas pelos Tribunais se aviltadas de forma incomum.
A responsabilidade subjetiva funda-se em uma visão humanista da sociedade resultante de uma evolução milenar, na qual cada agente animado pela razão goza de seu livre arbítrio e é senhor de seu destino. Cada um de seus atos projeta a dimensão da universalidade humana. Todo membro da sociedade admite agir livremente, em consciência, mas aceita responder pelas consequências de seus atos para restabelecer o equilíbrio que teria podido destruir: a verdadeira responsabilidade é sempre da ordem da justiça comutativa. (Luiz Roldão de Freitas Gomes, 2000, pág. 57)
O Código Civil francês em que se inspirou o legislador Brasileiro na elaboração dos arts. 159 e 1.518 do Código Civil de 1916, correspondentes respectivamente aos arts. 186 e 942 do Código Civil de 2002, alude a faute como fundamento do dever de reparar o dano (art. 1.382: “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autri un dommage oblige celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer”). Devido a sua ambiguidade, o termo faute (falta ou erro) gerou muita discussão entre os franceses e, para corrigir esse erro, o legislador em nosso Código Civil preferiu valer-se da noção de ato ilícito, como causa da responsabilidade civil conceituando-o no art. 186[7].(Gonçalves, 2003, págs.9-10).
Em resumo, podemos destacar que na sociedade primitiva a responsabilidade civil era objetiva e não havia cultura da reparação e sim da pena corporal e patrimonial.
O direito romano por meio da Lex Aquilia introduziu a responsabilidade subjetiva extracontratual tendo a culpa por seu elemento subjetivo. O Código Civil Francês, que inspirou o legislador pátrio, adotou o termo genérico faute como elemento subjetivo da responsabilidade civil extracontratual, elemento dúbio e impreciso.
O legislador brasileiro adotou, então, no Código Civil de 1916 e de 2002, o ato ilícito como elemento subjetivo da responsabilidade civil extracontratual, conceituando-o como o ato omissivo ou comissivo praticado voluntariamente por alguém com negligência ou imprudência e que gera dano a outrem.
Assim nasceu a culpa no direito civil brasileiro codificado.
II – CONCEITO DE CULPA
A culpa, em sentido estrito, está intimamente ligada a falta de intenção do agente em produzir o resultado dano. Trata-se de ato omissivo ou comissivo praticado com descuido, falta de cuidado, de cautela, de zelo e carinho com coisa alheia pelo homem médio ou pelo expert.
A culpa subjetiva ou psicológica consiste na avaliação do estado anímico do ofensor, típica de uma avaliação moral e subjetiva da conduta individual. Em outras palavras, busca-se perquirir os elementos psicológicos do agente que viola o dever de conduta, verificando-se se tinha a possibilidade de prever os resultados danosos de sua atuação (culpa) ou se agiu com intenção de prejudicar (dolo). Assim, a culpa é tratada como elemento subjetivo ou psicológico do ilícito, razão de um juízo moral de condenação do sujeito (BIANCA MASSIMA. 1994, pág.576).
Dessa forma, tudo que pode ser previsível deve ser evitável. Chamamos de previsibilidade e evitabilidade do dano e, por isso, os pilares da culpa são: negligência, imprudência e imperícia. Isso posto, não há responsabilidade sem culpa, pois até mesmo na responsabilidade civil objetiva, ela é presumida em razão do risco da atividade.
O conceito de culpa que utilizamos na legislação civil é a da culpa in abstrato, ou seja, esperamos que todo ser humano deve ser extremamente diligente e cauteloso. Criamos a figura do homem médio ideal e não avaliamos as suas condições de discernimento caso a caso.
Na apreciação da culpa in abstracto – repita-se ainda uma vez –, não se consideram as disposições especiais do autor do ato, o seu grau de compreensão das coisas, seus meios ou possibilidades individuais, mas compara-se a sua conduta com a do homem abstratamente diligente, prudente e circunspecto, sem aferir a sua educação, instrução ou aptidões pessoais. Nessa direção, afirma-se que o indivíduo deve ser considerado culpado ainda que “tenha feito o seu melhor para evitar o dano”, isto é, mesmo que não tenha a capacidade de agir como o homem de diligência média naquelas circunstâncias do caso concreto. Contudo, não se desprezam, por completo, as circunstâncias de tempo, lugar, usos, costumes e hábitos sociais, tendo em vista que o homem médio se insere nas mesmas condições externas do autor do ato, ou seja, diante de uma realidade concreta. (BANDEIRA. EMERJ, 2008).
Devemos diferenciar, apenas para efeitos didáticos, que a culpa pode resultar da coisa ou de fato imediato do homem. O dono da coisa responde pelos danos a que ela der causa, isso porque entre a coisa e seu dono existe um laço de negligência e imprudência que o torna autor indireto ou mediato do dano causado.
Importa também no destaque que, no exercício regular do direito é possível que se viole o direito alheio. Dessa forma, é permitido lesar o direito de outrem sem culpa, mas devemos indenizar se abusarmos no exercício de nosso direito, como também podemos destruir coisa alheia ou mesmo lesar pessoas se for para remover perigo iminente[8].
Por tudo que consignamos alhures, o conceito que melhor define culpa, a nosso sentir, é: “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível”. (Cavalieri Filho, 2010, pág. 35).
A negligência, imprudência e imperícia são formas de exteriorização da culpa e terão sempre como alicerce a falta de cuidado e/ou um erro de conduta involuntário.
A negligência é a falta de cuidado, desatenção, desleixo, descuido, ato de indolência ou inércia, ou seja, tem por característica ser um ato omissivo ou de falta de iniciativa. A imprudência, também diz respeito à falta de cuidado e zelo com o direito alheio, porém se caracteriza por ter como elemento o ato comissivo. A imperícia por sua vez é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica realizada por agente credenciado a executá-la.
Doutrinariamente, conforme escrito linhas acima, a responsabilidade civil brasileira baseia-se na culpa in abstrato, ou seja, na ideia do discernimento do homem médio e, em razão da impossibilidade de se fixar regras de condutas para cada indivíduo particularmente, definiu-se em doutrina o que é culpa.
Porém, esse conceito de culpa in abstrato não é absoluto e isso por construção Pretoriana, pois ao analisar as decisões do Tribunais locais e Superiores, verifica-se a aplicação de um misto entre culpa in abstrato e in concreto, ou seja, exige-se o dever de cautela, de cuidado e de zelo do homem médio, mas não se olvidam os julgadores de apreciar seu nível de informação, condições sócio-econômica-culturais e o ambiente em que vive o agente.
Dessa forma, o conceito de homem ideal criado pela doutrina (bonus pater familias) é mitigado frente a realidade fática concreta do homem real, do cotidiano das cidades e do interior.
Então, os Tribunais se subsidiam dos conceitos da culpa in abstrato como elemento norteador para aplicar em seus julgamentos a culpa in concreto, mormente na aplicação do quantum indenizatório.
Dito isso, culpa se define como um erro de conduta moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada em iguais circunstâncias de fato (Alvino Lima, 1998, pág. 69).
III – MODALIDADES DE CULPA NO DIREITO BRASILEIRO.
A culpa, na primeira análise, possui o elemento subjetivo e o elemento extrínseco.
Elemento Subjetivo – Animus Agendi: Havia como agir de forma diferente? Há nexo entre a vontade do autor e o fato?
CULPA
Elemento Extrínseco – Reprovabilidade Social: reprovabilidade exercida pela sociedade sobre a conduta praticada.
Na segunda análise, a culpa é vista pelo prisma da previsibilidade dos resultados obtidos e da violação do cuidado objetivo[9].
Previsibilidade do resultado
CULPA Negligência, imprudência e
Imperícia.
Violação do cuidado objetivo
O artigo 186 do Código Civil não deixa dúvidas que o ato ilícito só é configurado em caso de comportamento culposo, culpa stricto sensu. Neste sentido, é a culpa condição do ato ilícito.
Os tipos de culpa são maneira diversas de exteriorização da conduta culposa, em verdade são pontos de análises diversas do elemento culpa, mas com aplicação didática importante na doutrina e na jurisprudência pátria.
Ressalvados os conceitos de culpa grave, leve, levíssima, contratual e extracontratual e, para que possamos traçar um paralelo com a culpa anterior, objeto central de nosso estudo, vamos nos ater em breves linhas a destacar os seguintes tipos de culpa presentes no direito brasileiro:
- In eligendo: É a culpa pela escolha de algo ou alguém. O exemplo mais comum é a escolha do empregado pelo patrão (vide súmula 341 STF).
- In vigilando:Ocorre quando há falta de cuidados na supervisão, na vigilância de algo ou alguém. Caso mais é a responsabilidade dos pais, tutores e curadores.
- In custodiando: Assemelha-se a culpa in vigilando, porém é utilizada para se referir a falta de cuidados na guarda de coisas e animais, sob sua custódia.
- Culpa Consciente: Se assemelha ao dolo eventual, pois há previsão do resultado. Contudo, o agente acredita que evento danoso não ocorrerá.
- Culpa presumida:Cabe à vítima provar a culpa do causador do dano. Esse conceito hoje é mitigado pela inversão do ônus da prova, pela redistribuição dinâmica do ônus da prova e pela responsabilidade objetiva.
- Culpa contra legalidade: ocorre quando o dever violado resulta da legislação, muito comum nas questões de trânsito.
- Culpa concorrente: Quando decorrente do mesmo ato causador do dano, ocorre simultaneamente a culpa do agente e do lesado.
As modalidades de culpa in eligendo, in vigilando e in custodiando, tendem a desaparecer do direito brasileiro em razão do art. 933[10]ter atribuído responsabilidade civil objetiva ao Patrão, aos Pais e ao comitente.
IV – CULPA ANTERIOR
Nossa constituição Federal irá completar no mês de outubro do ano corrente 30 anos de promulgada e, em seu artigo 225[11], criou em nosso ordenamento jurídico a chamada culpa anterior.
Note que o constituinte originário deixa bem claro que é dever do Poder Público e da coletividade defender o meio ambiente e preservá-lo para as futuras gerações.
Nasce então com a promulgação da Constituição Federal a chamada culpa anterior no direito público, ou seja, a negligência do agente que deveria ter praticado determinado ato e não o praticou, e que essa omissão tenha gerado consequências futuras.
No que tange ao expresso no art. 225 da Constituição Federal, é evidente que no direito ambiental a culpa anterior já está posicionada, cabendo, inclusive, ações de reparação por danos sociais[12] neste momento, pois não há relatório indicando melhora ou preservação do meio ambiente nos últimos 30 anos, de forma que a futura geração a que se refere a constituição, hoje adulta, pode e deve cobrar reparação do poder público, na modalidade de danos sociais por culpa anterior.
Contudo, não é apenas na seara do direito ambiental que se aplica a culpa anterior. Na verdade, ela reverbera em todas as áreas do direito público ou privado (no caso de gestores de estatais e empresas públicas) onde o agente deveria ter praticado determinado ato e não o fez e que, futuramente, essa omissão seja objeto de consequências antijurídicas ou socialmente reprováveis, sendo possível, nessas hipóteses, a reparação por danos sociais oriundos de culpa anterior.
A culpa anterior é visível no ambiente público quando, nos dias atuais, se verifica a falência do sistema de saúde, educação, segurança pública, trânsito e transporte dos Estados, Municípios e da União, bastando fazer uma análise da falta de investimentos realizados nessas áreas em confronto com o orçamento e despesas realizadas por esses ententes públicos.
Escolhemos a título de exemplo áreas cuja falta de investimento e cuidado pioram muito a qualidade de vida da população. Repita-se, a exaustão se preciso, que o desleixo com a educação pública prejudicou toda uma geração de jovens, e a pergunta que se faz é: quem vai indenizar uma geração inteira que tinha o direito à educação pública de qualidade que não lhe foi prestada e que agora está condenada ao subemprego, a falta de oportunidade e a disputa em paridade de armas com aqueles que tiveram o privilégio de terem estudado em escolas privadas?
Quanto à segurança pública, há toda uma geração de jovens privados de tirar proveito dos atrativos de que sua cidade proporciona, principalmente à noite, em razão da violência urbana, nítida nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza entre outras capitais. Famílias inteiras com síndrome do pânico de sair para o trabalho e escolas, as quais antes mesmo do cordial bom dia entre seus membros, verificam o que diz o Aplicativo “Onde Tem Tiroteio”, para poderem sair de casa e escolherem o trajeto que vão fazer até o local de trabalho ou estudo.
A respeito de trânsito e transporte, verificamos cada vez mais o transporte público sucateado por falta de investimentos, subsídios, combate aos clandestinos e política tarifária. A falta de investimentos e estudos em trânsito e transporte faz com que a polução hoje consuma mais de 04 horas diárias em deslocamento casa/trabalho/casa.
Quanto ao sistema de saúde público, despiciendo tecer maiores comentário a respeito do desleixo, falta de cuidado e zelo com o ser humano que depende da saúde pública, de quantas vidas foram ceifadas e pessoas com sequelas que lhe alijaram de ter uma vida digna a falta de investimento nessa área proporcionou.
A culpa anterior do gestor público nos exemplos citados linhas acima é clarividente e não se aplica nessa hipótese, a teoria da reserva do possível[13] ou do mínimo existencial[14] em sua defesa. O retrato atual da gestão pública na área dos direitos sociais, com falta de investimento ou mesmo de gestão e controle da verba investida, justificam, por si só, a ação indenizatória, pois ainda que se esteja investindo verba pública nestas rubricas, em obediência aos percentuais mínimos estabelecidos na constituição federal, é de responsabilidade do gestor público fazer com que esses recursos sejam aplicados de forma eficiente e eficaz.
Não cabe em defesa do gestor público o argumento de que cumpriu com o disposto na lei de Responsabilidade Fiscal, pois a gestão de recursos públicos vai muito além do direcionamento de verbas que, muitas das vezes se perdem quando de sua aplicação em licitações fraudulentas, sobrepreços etc. Se o gestor cumpriu as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a população não têm o mínimo para uma vida digna nas áreas básicas dos direitos sociais como saúde, educação, segurança pública, trânsito e transporte, sua culpa anterior é evidente.
Nestes casos de culpa anterior, cujos exemplos foram em numerus apertus, já citamos alhures que a reparação deve ser pela rubrica dos danos sociais reparatórios e/ou complementares[15]. Porém, o sujeito passivo da demanda judicial não deve ser o ente público, mas o gestor público Chefe do Poder Executivo e seu Secretário e/ou Ministro da Pasta, pois no caso de culpa anterior, a responsabilidade é pessoal em razão da teoria do domínio do fato[16] e pelo motivo da omissão estar diretamente ligada a esfera do poder político do Chefe do Poder Executivo e do Secretário/Ministro da pasta. Por óbvio, trata-se de uma releitura para aplicação na área da responsabilidade civil da teoria do domínio do fato, neste caso por ato de omissão.
Por fim, defendemos que a culpa anterior é uma culpa causal por negligência (omissão) que, embora não contemporânea do ato ilícito[17],é suficiente para surgir a responsabilidade do gestor público em razão da piora na qualidade de vida da população por falta de cuidado e zelo na preservação dos direitos sociais básicos do cidadão.
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discutido no presente trabalho, a Constituição Federal, por meio do art. 225, introduziu no direito público brasileiro a culpa anterior quando impõe ao Poder Público a responsabilidade de defender e preservar o meio ambiente para gerações futuras.
Concluímos que a culpa anterior é uma culpa causal por ato de omissão (negligência) do gestor público não contemporânea ao ato ilícito. Sua prova se faz in re ipsa, bastando estar presentes o elemento de piora na qualidade de vida da população em razão do ferimento aos seus direitos sociais básicos, a insuficiência de investimentos, a falta de fiscalização na aplicação da verba pública e a má prestação do serviço público.
A reparação civil deve ser pleiteada sob a rubrica de danos sociais na modalidade compensatória e/ou complementar, sendo legítimo ativo todos os legitimados a propor ação civil pública e popular e, legítimo passivo, o Chefe do Poder Executivo e o Secretário/Ministro da pasta em litisconsorte passivo facultativo.
A culpa anterior tem aplicação também em face dos Presidentes e Diretores de Autarquias, Estatais, Empresas Públicas e Fundações que detêm o monopólio de determinadas atividades econômicas.
Espera-se, desta forma, ter contribuído para a discussão doutrinária a respeito da instituição deste modelo de culpa no direito brasileiro como forma de responsabilização pessoal do gestor público.
V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- ALVINO LIMA, Culpa e Risco. 2° ed. .rev.eatualo. pelo Prof. Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: editira Revista dos Tribunais, 1998.
- ANTUNES VARELLA, Direito das Obrigações, Ed. Forense, 1977, vol.I,;
- BANDEIRA, Paula Greco ,Revista EMERJ, v.11, n°42, 2008.
- BIANCA, Massima. Dirittocivile, v. 5. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1994.
- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9° ed. – São Paulo: Atlas, 2010.
- Constituição da República Federativa do Brasil;
- Código Civil Brasileiro;
- GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Elementos de Responsabilidade Civil, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2000.
- GONÇALVES. Carlos Roberto. Curso de Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, São Paulo. 2003;
- JEAN SCHMIDT – FauteCivile et fautepénale – Paris –
- MOREIRA ALVES. José Carlos.Direito romano. 6° ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, vol.2;
- REIS FRIEDE e LUCIANO ARAGÃO. Revista EMARF, Rio de Janeiro, v.25, n.1, nov/mai/2017.
- RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Responsabilidade Civil Contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa – São Paulo, Atlas, 2011.
- ROXIN, Claus. Straftrecht: Allgemeiner Teil.3 Aufl. München:Beck, 1977. Bd.1.
[1] Advogado, Mestre em Direito das Relações Econômicas, Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Sócio do Escritório Luciano Aragão Advocacia Empresarial. Site: lucianoaragao.com.br; e-mail: lucianoaragao@lucianoaragao.com.br
[2]Art. 193: A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
[3]Art. 37. (…)
- 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[4] Foi a época em que os homens reagiam aos danos causados com a vingança coletiva privada.
[5] Como não havia separação entre o privado e coletivo, tratavam o patrimônio das tribos como algo único, como unidades corporativas, pois não havia a clarividência dos limites da propriedade individual e coletiva. A importância dessa fase histórica se retrata em nossa Constituição Federal, no capítulo dos Direitos Fundamentais, onde se consolidou que a pena não passará da pessoa do condenado e de seu patrimônio. (Rodrigues Junior, 2011, p.2)
[6]A vida na polis dividia-se em duas esferas: a privada, que dizia respeito a seu patrimônio, ao casamento, à sua família e expressa pela sua casa e a esfera pública, expressa pelo espaço público urbano (ou político, pois era o espaço da polis) e suas instituições. Estas, dado que deliberavam e executavam diretrizes e regras para a cidade, constituíam-se efetivamente como instituições políticas. De uma forma geral, ambas as esferas eram soberanas em si mesmas: assuntos privados não diziam respeito às discussões públicas, e vice-versa (Wikipédia – https://pt.wikipedia.org/wiki/Pólis, acesso em 18/08/2018). Urbe é um sinônimo de Cidade, ou seja, aglomerado populacional onde ocorrem uma série de trocas sociais (culturais, comerciais etc).
[7]Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[8]Código Civil: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
[9]Autor desconhecido. Texto encontrado na web. http://www.inbs.com.br/ead/Arquivos%20Cursos/LAAIA/Modalidades%20de%20Culpa%20e%20Responsabilidade%20Civil.pdf. Acesso em 18/08/2018.
[10]Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos
[11]Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[12] Em artigo anterior de nossa autoria em conjunto com o homenageado Prof.Dr. Reis Friede, conceituamos dano social como sendo aquele que é ocasionado por uma conduta (comissiva ou omissiva) socialmente reprovável, antijurídica ou não, praticada pelo estado ou particular(pessoa física ou jurídica), cuja consequência é a diminuição da qualidade de vida da sociedade ou de determinado grupo social. (Reis Friede e Luciano Aragão. Dos Danos Sociais. Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.25, n°1,p.308,nov.2016/mai.2017) também disponível em http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista75/revista75_207.pdf
[13] É a possibilidade de atuação do estado quanto ao cumprimento de direitos sociais subordinando a recursos públicos disponíveis.
[14] É o básico que um ser humano precisa para se ter uma vida digna, é um direito fundamental básico que independe de lei.
[15] COMPENSATÓRIO: quando a conduta (ação ou omissão) geradora do dano é definitiva, isto é, a anulação daquela não enseja o desaparecimento deste. COMPLEMENTAR: É o inibitório pedagógico, que deve ser aplicado como forma de advertência educativa e suplementar à condenação compensatória. (Reis Friede e Luciano Aragão. Dos Danos Sociais. Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.25, n°1,p.314/315,nov.2016/mai.2017) também disponível em http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista75/revista75_207.pdf)
[16]O professor Claus Roxin ensina que na teoria do domínio do fato o autor do delito é aquele que desempenha papel decisivo e determinante na realização da ação típica.(ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Trad. Diego-Manuel Luzon Pena et alli. Cizur Menor: Editorial Aranzadi, 2014, p. 70.)
[17] A definição de culpa anterior para Alvino Lima está ligada aos demenciados por uso contumaz de álcool, drogas entre outras causas. Não entendemos correto essa aplicação da culpa anterior em razão do INSS adotar como motivo de afastamento por auxílio doença quem é alcoólatra ou viciado em drogas. Nesta hipótese de aplicação da culpa anterior sustentada por Alvino Lima, teríamos que investigar profundamente questões orgânicas ligadas a medicina. A aplicação da culpa anterior por nós defendida não é orgânica e sim procedimental. (ALVINO LIMA, op.cit, pág. 88/89).
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