Superior Tribunal de Justiça – STJ
A inexigibilidade de licitação para contratação de advogados
A polêmica sobre a contratação de advogados ou serviços jurídicos especializados por inexigibilidade de licitação sempre ocupou amplas discussões no cenário nacional, em decorrência dos mais variados motivos. Primeiramente, há de se considerar que a licitação é regra, e não exceção. Logo, a contratação direta é vista com ressalvas.
No âmbito da Lei nº 8.666/1993, a polêmica girava em torno do artigo 25, II, c/c artigo 13. Segundo o artigo 25, II, “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação”. Por seu turno, o artigo 13, V (especialmente), acentua: “Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas”.
Antes mesmo da promulgação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi acrescido, pela Lei nº 14.039/2020, o artigo 3º-A, cuja literalidade merece ser reproduzida:
“Artigo 3º-A — Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.
Referido dispositivo reconhece uma presunção legal de que os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei, o que, em tese, possibilita a contratação de escritórios de advocacia e advogados, elidindo a necessidade do concurso público.
Foi nesse contexto que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou, sob a relatoria do desembargador Jesuíno Rissato (convocado), o AgRg no Habeas Corpus nº 669.347/SP (2021/0160441-3), fixando o entendimento de que, com o disposto no “artigo 74, III, da Lei n. 14.133/2021 e no artigo 3º-A do Estatuto da Advocacia, o requisito da singularidade do serviço advocatício foi suprimido pelo legislador, devendo ser demonstrada a notória especialização do agente contratado e a natureza intelectual do trabalho a ser prestado”.
Aparentemente, houve uma solução legislativa para toda a problemática envolta à contratação de advogados, sobretudo nas municipalidades, contratação essa que, a partir da novel redação do artigo 3º-A, passa a ser possível pela forma direta, é dizer, inexigível.
Ocorre que amplíssima margem de variação interpretativa é, caricatamente, conferida pelo próprio dispositivo legal. Logo, nada obstante a redação do caput iniciar pelo reconhecimento de que os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, o mesmo preceito normativo (artigo 3º-A) apresenta, ainda no caput, um problema rapidamente irrespondível, na medida em que condiciona a tecnicidade e singularidade à comprovação da notória especialização do advogado e do escritório que venham a ser, por inexigibilidade de licitação, contratados. Assim sendo, carece de integração interpretativa todo o dispositivo legal, pelo que se pode concluir que o legislador foi assaz apressado.
O recado legislativo trazido pela Lei nº 14.039/2020 somente encontra eco se houver a distinta separação entre serviços advocatícios comuns dos serviços advocatícios singulares, porque permanece o reconhecimento de que a singularidade e a técnica devem ser reconhecidas por notória especialização, nos termos da lei (parágrafo único do artigo 3º-A).
Isto é, essa composição sistemática não constitui qualquer novidade ou simplificação normativa, uma vez que se trata do mesmo preceito já albergado nos artigos 13, V e 25, II, ambos da Lei Geral de Licitações, fielmente reproduzidos pelo artigo 74, III, “e”, da Lei nº 14.133/2021.
Em todo caso, a pretensão de interpretar que todos os serviços de advogados são, por sua natureza, técnicos e singulares, é equivocada (artigo 3º-A, da Lei nº 8.906/94), já que não separa os serviços jurídicos comuns (plenamente licitáveis) daqueles serviços advocatícios específicos que, por notória especialização, carecem dispensar o burocrático processo de contratação objetiva, exigindo, por impossibilidade prática de realização de certame, a contratação por inexigibilidade.
Por outro lado, insta consignar outra consequência mais clara dessa mudança legislativa no âmbito do Direito sancionador. No que tange à responsabilização de agentes públicos que contratam diretamente advogados, sem referência à natureza singular do serviço, a alteração da lei denota uma intenção de reduzir, indiretamente, o campo de punição desses agentes públicos.
Isso porque, com a extinção de parte do duplo requisito de contratação direta — natureza singular e notória especialização —, há uma redução sistêmica do espectro de punibilidade tanto da Lei de Improbidade nº 8.429/1992, quanto dos tipos penais específicos da própria legislação sancionadora no entorno das licitações, v. g., Lei 8.666/1993 e Lei 14.133/2021.
Muito embora o antigo artigo 89 da Lei 8.666/1993 tenha sido revogado pela Lei 14.133/2021, essa mesma lei acrescentou ao Código Penal o artigo 337-E, com idêntica tipificação fática ao dispositivo revogado: “Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei: Pena — reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa”.
Sistematicamente, os requisitos para a contratação direta sempre integraram o tipo penal do revogado artigo 89 da Lei 8.666/1993, ao mesmo tempo em que continuam a integrar o tipo penal do novel artigo 337-E do Código Penal. Nesse sentido, com a supressão do requisito de comprovação da singularidade para a inexigibilidade de contratação, não há mais de se falar em sancionamento (penal ou administrativo) de agentes que não teriam observado a pretendida singularidade dos serviços advocatícios.
Ratificando tal consequência interpretativa, no já mencionado julgamento do AgRg no Habeas Corpus nº 669.347/SP, o STJ passou a reconhecer que não há de se falar em existência de dolo específico em caso de contratação direta de escritório de advocacia quando inexistir comprovação de singularidade do serviço.
Todavia, ultrapassada a polêmica quanto à possibilidade de contratação por inexigibilidade, eis que a novidade normativa se encontra na previsão de uma presunção legal, segundo a qual são de natureza singular os serviços advocatícios que demandem a contratação de profissionais com notória especialização, um grande impasse não é definido pelo legislador, tampouco pela jurisprudência: o preço de mercado.
O que significa preço de mercado considerando as mais diversas peculiaridades existentes no panorama da Administração Pública brasileira, que conta, por exemplo, com precisos 5.570 municípios? Como compatibilizar se o preço cobrado por um profissional ou banca de advocacia segue o preço de mercado?
Essa tratativa sobre o preço de mercado já foi por nós abordada nessa coluna, quando cotejamos o conceito de preço de mercado com vantajosidade no processo de contratação pública [1].
Eis, portanto, algumas polêmicas sobre a inexigibilidade de licitação para a contratação de advogados. Definitivamente, a singularidade é apenas mais um dos problemas a ser enfrentado.
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO – AGU
Parecer da Advocacia Geral da União é contra cobrança do ICMS-Difal em 2022
A Advocacia-Geral da União, em documento acostado nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.070, manifestou discordância pela cobrança do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS pelos estados no exercício de 2022, em observância à anterioridade geral que impõe a necessidade dos entes federativos em aguardar o exercício financeiro seguinte à lei que institui ou majora tributo. A ação foi proposta pelo governador de Alagoas sob a alegação de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº 190/2022, com o objetivo de discutir a possibilidade de cobrança do ICMS-Difal neste ano.
A AGU, em sua manifestação, fez destaque para o que restou decidido pelo STF na ADI nº 5.469, destacando o voto do relator ministro Dias Tofolli, oportunidade em que consignou que “… não pode o convênio interestadual suprir a ausência de lei complementar, dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, como fizeram as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS nº 93/15”.
Assim, no entendimento do consultor da União, nos autos da ADI o relator concluiu que a matéria se tratava de nova relação jurídica tributária, dispondo sobre 1) obrigação tributária, 2) sujeição passiva, 3) bases de cálculo/alíquotas e 4) créditos de ICMS. Ademais, também fez menção à falta de aplicabilidade plena dos incisos VII e VIII do §2º do artigo 155 da CF/88, que tratou do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, até a edição de superveniente lei complementar regulamentadora, necessidade que não fora suprida pelo Convênio ICMS nº 93/2015, e tampouco pelas leis estaduais e distrital, estas últimas que se prestam a atender situações locais, ao contrário da discussão que possui interesse nacional.
Ainda sobre o documento, também merece destaque o óbvio e acertado posicionamento da AGU no que concerne ao fato de que o artigo 3º da Lei Complementar, que se refere exclusivamente à anterioridade nonagesimal, não inibir a anterioridade geral, haja vista que a questão é de cunho constitucional. E mais do que isso, nem mesmo se a LC 190/2022 nada dispusesse sobre a observância das anterioridades, ainda assim deveriam, ao menos em tese, ser aplicadas.
Sobre o ICMS-Difal, destaca-se que os Estados no ano de 2015 trataram da matéria por meio do Convênio Confaz 93/15, de modo que passaram a dividir o ICMS nos termos estabelecidos pelo Confaz. Em razão da ausência de lei complementar que tratasse do assunto, em abril de 2021 o Supremo Tribunal Federal julgou o RE nº 1.287.019/DF, submetido à sistemática da repercussão geral, fixando a tese de que “a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”. Entretanto, a Corte modulou os efeitos da decisão, para que ela somente tivesse eficácia a partir de 2022, e, consequentemente, permitiu-se que os Estados e o Distrito Federal continuassem cobrando o Difal até o final de 2021.
A partir de então, o Congresso se organizou (ou ao menos deveria ter se organizado) para editar o projeto de Lei Complementar para regulamentar a matéria em 2021, o que se deu por meio do PLP nº 32/2021, aprovado em ambas as casas legislativas e enviado para sanção presidencial somente em 20/12/2021. Por sua vez, a LC nº 190/2022 foi sancionada em 2022, o que fez gerar questionamentos em todo o território nacional acerca da constitucionalidade da cobrança.
O posicionamento da AGU se revela importante neste momento, há pouco menos de um mês do decurso da anterioridade nonagesimal, justamente por se tratar de uma instituição vinculada ao poder público, que pode ser de grande valia aos contribuintes, que a cada dia estão sendo mais penalizados por cobranças inconstitucionais pelos entes federativos, não raras as vezes validadas pelas cortes superiores sob o pretexto de diminuição da arrecadação.
https://www.conjur.com.br/2022-mar-18/almeida-silva-parecer-agu-cobranca-difal
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