Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Para 3ª Turma do STJ, compra de ações não estabelece relação de consumo
O ato de comprar ações não estabelece relação de consumo entre a sociedade de capital aberto e o comprador, ainda que ele seja acionista minoritário. Por maioria, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia concluído pela incidência do Código de Defesa do Consumidor em uma ação que discutia o direito de um grupo de investidores a receber dividendos correspondentes às suas ações preferenciais em uma instituição financeira.
Os investidores entraram com ação na Justiça contra o banco com a alegação de que não receberam os dividendos a que teriam direito. Em primeira instância, o juiz julgou improcedente o pedido, pois entendeu que eles não apresentaram provas do não pagamento. O TJ-SP, porém, concluiu que a relação entre as partes era de consumo, pois o banco administrava os recursos dos acionistas minoritários.
Aplicando o CDC, o tribunal estadual inverteu o ônus da prova e considerou que cabia ao banco comprovar o pagamento, o que não ocorreu. Por isso, a instituição foi condenada a pagar os valores aos acionistas, em montante a ser apurado em liquidação de sentença.
Na corte superior, porém, esse entendimento foi modificado. O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, argumentou que o STJ se orienta pela teoria finalista ou subjetiva, segundo a qual o conceito de consumidor, para efeito de incidência das normas protetivas do CDC, leva em conta a condição de destinatário final do produto ou serviço.
“Segundo a teoria subjetiva ou finalista, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, isto é, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria”, explicou o relator.
De acordo com o ministro, o investidor, ao adquirir ações no mercado mobiliário, não está abrangido pela proteção do CDC. Ele afirmou que a compra de ações integra uma relação de cunho societário e empresarial, sem envolvimento de nenhuma prestação de serviço por parte da sociedade, e que a situação seria diferente apenas se a ação envolvesse o serviço de corretagem de valores e título mobiliários, como já decidido pela própria 3ª Turma no REsp 1.599.535.
“Afastada a relação de consumo do investidor, acionista minoritário de sociedade anônima, caberia a ele provar o fato constitutivo do seu direito, a teor do que dispõe o artigo 373 do Código de Processo Civil de 2015 (‘O ônus da prova incumbe: I — ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito’), sendo incabível a inversão do ônus da prova procedida pelo acórdão recorrido”, argumentou Villas Bôas Cueva. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
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REsp 1.685.098
STJ assina acordo para disponibilizar jurisprudência no Portal da Legislação
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, participou nesta quinta-feira (25/6) da cerimônia de assinatura de acordo de cooperação técnica com o objetivo de disponibilizar, no Portal da Legislação da Presidência da República, o acesso aos sistemas de informação sobre a jurisprudência consolidada do STJ e de outros tribunais.
Ao assinar o instrumento de cooperação, Noronha lembrou que a segurança jurídica é fundamental em diversas perspectivas, inclusive para atrair investimentos estrangeiros. Para o ministro, a segurança jurídica exige transparência, que se traduz não apenas no conhecimento da sociedade sobre o texto da lei, mas também sobre a interpretação que o Judiciário faz dele.
“A transparência normativa é que assegura um verdadeiro sistema democrático. Por isso, é fundamental o projeto de cooperação, porque, a partir de agora, não acessaremos mais o Portal da Legislação para conhecer apenas o texto legal, mas para entender de que forma os tribunais estão aplicando as normas”, resumiu o ministro Noronha.
Além do presidente do STJ, participaram da assinatura do acordo o presidente Jair Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Dias Toffoli, e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira.
Diálogo e articulação
Bolsonaro destacou que a centralização dos sistemas irá favorecer a atuação da Presidência da República e também de todas as pessoas que procuram o portal para conhecer ou fazer cumprir alguma norma.
Segundo Toffoli, a integração entre os sistemas de divulgação da legislação e da jurisprudência dos tribunais superiores vai facilitar a permanente atualização da comunidade e auxiliar o trabalho de magistrados, parlamentares e outros interessados na organização do sistema jurídico.
“Os poderes da República estão conectados pela própria natureza do Estado Democrático de Direito. As iniciativas dos poderes, portanto, devem sempre confluir, tendo como norte o objetivo de prestar ao cidadão um serviço de qualidade, com celeridade e transparência. O instrumento de cooperação ilustra o poder de diálogo e de articulação para o avanço das instituições republicanas e democráticas”, afirmou Toffoli.
Banco de dados
O acordo prevê a inclusão de links no Portal da Legislação para direcionar o usuário para o sistema Corpus927, administrado pelo CNJ, e para a página de legislação anotada “A Constituição e o Supremo”, gerida pelo STF.
Com vigência prevista de 60 meses, podendo ser prorrogado por meio de termo aditivo, o acordo não implica compromissos financeiros nem transferência de recursos entre os órgãos participantes.
Nos termos do instrumento de cooperação, o STJ será responsável por difundir o uso das ferramentas no âmbito do Poder Judiciário, prover a infraestrutura tecnológica para armazenamento e disponibilização do sistema Corpus927 e alimentar o banco de dados com informações sobre julgamentos monocráticos e acórdãos, súmulas e as edições de Jurisprudência em Teses. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
Fazenda pode requerer habilitação de crédito mesmo com execução fiscal sem garantia
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível a coexistência da habilitação de crédito no processo falimentar com a execução fiscal sem garantia, desde que a Fazenda Pública se abstenha de requerer a constrição de bens em relação ao executado que também figure no polo passivo da ação falimentar.
Com esse entendimento, o colegiado deu parcial provimento a recurso da Fazenda Nacional contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou o pedido do fisco para habilitação de crédito na falência de uma empresa, pois estava pendente execução fiscal em relação à mesma sociedade.
A autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Regina Helena Costa, explicou que a Fazenda Pública conta com ação específica para a cobrança de seus créditos, a execução fiscal, disciplinada pela Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal — LEF) e pelas disposições do Código de Processo Civil, aplicado de forma complementar.
A ministra citou precedentes do tribunal sobre a utilização simultânea, pelo fisco, da execução e da habilitação no processo falimentar para a cobrança de crédito fiscal. Ao mencionar o REsp 185.838, ela destacou que, uma vez “efetuada a penhora na execução fiscal, não há cogitar de reserva de numerário no juízo da concordata, o que se constituiria, sem dúvida, em garantia dúplice”.
Regina Helena lembrou que a garantia é entendida como a constrição de bens e direitos, sendo feita, na execução fiscal, por meio de penhora ou indisponibilidade. No entanto, afirmou que “a tramitação da ação executiva fiscal não representa, por si só, uma garantia para o credor”.
Autonomia
De acordo com a ministra, o juízo de conveniência e oportunidade da Fazenda Pública se dá quando há a concomitância das vias da execução fiscal e da falência, pois, sem a decretação da falência, não haveria alternativa à execução.
Para ela, impedir a coexistência da ação executiva fiscal e da habilitação de crédito no juízo falimentar vai contra os artigos 187 do Código Tributário Nacional, 5º e 29 da LEF, bem como os artigos 6º e 7º da Lei 11.101/2005. “Tal arcabouço legislativo garante a autonomia do sistema da LEF em relação ao juízo universal falimentar, sem, contudo, comprometer, por si só, o princípio da preservação da empresa”, destacou.
Segundo a ministra, entendimento diverso reduz o campo de atuação da Fazenda Pública no âmbito do processo falimentar, bem como a possibilidade de o ente público exercer a fiscalização dos trâmites no juízo da falência, por exemplo, quanto à ordem de classificação dos pagamentos a serem efetuados aos credores com direito de preferência.
“Não há se falar, portanto, em renúncia à ação executiva fiscal diante de pedido de habilitação de crédito no juízo concursal, quando o feito executivo carece de constrição de bens”, afirmou.
Caso concreto
Regina Helena Costa observou que, no caso em análise, a Fazenda Nacional expressamente afirmou que não formulará pedido de penhora no processo falimentar, sobrestando os pleitos no âmbito da execução até a conclusão do primeiro. Dessa forma, a ministra afastou o impedimento verificado pelo TJ-SP em relação ao pedido de habilitação, pois a execução fiscal não goza de garantia, tendo sido proposta em 2013, antes da decretação da falência em 2014.
“Revela-se cabível a coexistência da habilitação de crédito em sede de juízo falimentar com a execução fiscal desprovida de garantia, desde que a Fazenda Nacional se abstenha de requerer a constrição de bens em relação ao executado que também figure no polo passivo da ação falimentar”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
REsp 1.831.186
Responsabilidade múltipla por dano não pode resultar em múltiplas indenizações
Ainda que os causadores de um dano sejam vários, a vítima não tem direito a receber múltiplas indenizações pelo prejuízo sofrido, de acordo com o entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que tomou essa decisão no julgamento de recurso relacionado a acidente de trânsito ocorrido em Santa Catarina.
O colegiado seguiu o voto da relatora do recurso, a ministra Isabel Gallotti, que reformou parcialmente uma decisão da Justiça catarinense. A sentença condenou a proprietária e o motorista de um caminhão a indenizar os danos morais, estéticos e materiais sofridos pela vítima do acidente, que já havia obtido a mesma indenização em ação trabalhista contra sua empregadora.
No acidente em questão, um caminhão bateu na traseira de um veículo de coleta de lixo e, como consequência do impacto, um gari teve amputada uma de suas pernas. A vítima, então, entrou com ação trabalhista contra sua empregadora, que foi condenada a pagar uma quantia por danos morais e estéticos, além de pensão por danos materiais, porque a Justiça do Trabalho entendeu que houve falhas de segurança.
Em seguida, o gari ajuizou na Justiça comum outro pedido de indenização, desta vez contra o motorista e a dona do caminhão. Ele obteve sucesso em primeira e segunda instâncias. Para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o trânsito em julgado do processo trabalhista não impede o ajuizamento de ação na Justiça comum, pois, embora o fato seja o mesmo, os réus são distintos.
A relatora do recurso no STJ, porém, não seguiu o entendimento do tribunal estadual. Mencionando o artigo 944 do Código Civil, ela afirmou que “se a indenização mede-se pela extensão do dano, naturalmente não pode ser multiplicada, conforme seja o número de partícipes do ato ilícito que o causou”.
Assim como o TJ-SC, a ministra também entendeu que não há identidade de ações entre os processos trabalhista e civil, mas, segundo ela, isso não pode resultar em dupla indenização pelo mesmo fato.
“Do fato de não haver identidade de ações não se pode inferir que o autor possa ser duplamente indenizado pelo mesmo dano, ou que os réus possam ser submetidos a duplo julgamento e eventualmente terem de pagar duas indenizações pelo mesmo fato, por um mesmo dano causado a uma só pessoa”.
A decisão da ministra livrou o motorista e a proprietária do caminhão de pagar a indenização por danos morais e estéticos, que já foram pagas pela empregadora, mas Isabel Gallotti estendeu a eles a responsabilidade pelo pagamento da pensão ao gari, já que foram causadores do acidente.
Assim sendo, se a empregadora deixar de fazer o pagamento mensal, este deverá ser realizado pelo motorista e pela dona do caminhão, na qualidade de devedores solidários. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
AREsp 1.505.915
Supremo Tribunal Federal (STF)
Decreto cai, mas Gilmar mantém ação sobre compartilhamento de dados da CNH
O regime jurídico de compartilhamento de dados entre órgãos e instituições do Poder Público é matéria de extrema relevância para a proteção constitucional do direito constitucional à privacidade, situando-se como garantia elementar de qualquer sociedade democrática contemporânea. Por isso, é dever do Supremo Tribunal Federal se debruçar sobre a matéria.
Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes negou pedido liminar em ação de descumprimento de preceito fundamental interposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra o Decreto 10.046/2019, que permite o compartilhamento de dados no âmbito da administração pública.
Com base nesta norma, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) pediu e obteve permissão para acessar os dados da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de 76 milhões de brasileiros pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O acordo foi firmado via Termo de Autorização nº 7/2020.
O decreto foi revogado na manhã de quarta-feira (24/6) pelo governo, data em que estava pautada análise da liminar pelo Plenário do Supremo. A revogação levou a Advocacia-Geral da União a pleitear a perda do objeto da ação, o que foi negado pelo ministro. Ao indeferir a liminar ad referendum pelo Plenário, ele garante que o caso será analisado ao menos quanto ao objeto.
“É dever constitucional deste STF debruçar-se sobre a matéria, evitando-se que situações graves que colocam em risco a violação de preceitos fundamentais sejam perpetradas com suposto fundamento no Decreto nº. 10.046, de 9 de outubro de 2019. Destaca-se ainda que a presente decisão não obsta a eventual análise de medida acauteladora relacionada a alegações de inconstitucionalidade deste ato normativo”, afirmou o ministro.
A ADPF
Com base no Decreto 10.046/2019, que dispõe sobre o compartilhamento de dados no âmbito da administração pública federal, a Abin e o Serpro firmaram acordo para o compartilhamento de informações como nome, filiação, endereço, telefone, dados dos veículos e foto de todo portador de carteira de motorista no país.
Estima-se que dados de 76 milhões de brasileiros chegariam ao órgão de inteligência. Ao propor a ação, o PSB sustentou que a medida viola o direito à privacidade, à proteção de dados pessoais e à autodeterminação informativa, além de afrontar a dignidade da pessoa humana.
A transferência “massiva e indiscriminada” de dados estaria sendo operacionalizada sem transparência e à revelia dos titulares, que não receberam qualquer informação sobre o compartilhamento nem qualquer esclarecimento sobre o tratamento a ser realizado pela Abin.
Para o partido, a medida subverte a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente coletados, destinando-os a um órgão e a um propósito inteiramente incompatíveis com a motivação original.
Clique aqui para ler a decisão
ADPF 695
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