SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
Em debate sobre mercado imobiliário, presidente do STJ defende segurança jurídica para atrair investimento e emprego
Ao participar, nesta quarta-feira (4), do seminário O Poder Judiciário e o Mercado Imobiliário: um diálogo necessário, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, disse que a Justiça precisa garantir segurança jurídica para propiciar um ambiente favorável aos negócios e, com isso, mais investimentos no setor e empregos para a população.
“A segurança jurídica é fundamental para atrairmos investimentos. No momento, o investimento estrangeiro está afugentado”, declarou o ministro ao falar no encerramento do seminário.
O Poder Judiciário, segundo Noronha, precisa se lembrar de que quem garante direitos é a lei, e não a jurisprudência. “A jurisprudência não pode ser uma caixinha de surpresas, não podemos surpreender a parte”, alertou.
Ele ressaltou que o contrato, em regra, é firmado para ser cumprido até o fim, e decisões que transferem o risco de uma parte para a outra encarecem o produto final. Mesmo as recentes iniciativas legislativas, de acordo com o presidente do STJ, não resolvem todos os problemas. “A lei pode trazer previsibilidade, mas nem sempre segurança jurídica”, concluiu.
Soluções balanceadas
Realizado no auditório do tribunal, o seminário foi promovido pelo Instituto Nêmesis de Estudos Avançados em Direito para discutir temas ligados a segurança jurídica, liberdades econômicas e ao impacto das decisões judiciais sobre o mercado imobiliário.
Durante a abertura, pela manhã, o ministro Luis Felipe Salomão – um dos coordenadores científicos do seminário – destacou que a intenção de eventos como esse é promover o diálogo entre representantes dos consumidores, das incorporadoras e das construtoras.
“Eu percebo um aprimoramento em vários pontos da nossa jurisprudência. Esses avanços certamente são fruto desses nossos debates francos e abertos sobre o tema, sempre buscando soluções balanceadas que possam atender da melhor forma todos esses segmentos”, disse ele.
Temas recorrentes
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, ressaltou a importância do debate para a sociedade. “O direito a uma moradia digna é um dos temas que mais preocupam os brasileiros, no mesmo patamar da saúde, da segurança e da educação”, avaliou.
Humberto Martins lembrou que o STJ julgou recentemente os Temas 970 e 971 dos recursos repetitivos, fixando teses a respeito do inadimplemento na entrega de imóveis – segundo ele, um assunto recorrente nos tribunais brasileiros. “Esperamos que, agora, com o recente posicionamento do STJ, as questões possam ser dirimidas mais rapidamente, trazendo segurança jurídica para os consumidores e para o mercado imobiliário.”
Também participaram da mesa de abertura o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins; o economista-chefe e diretor do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi/SP), Celso Petrucci; e o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Werson Rêgo – que, com o ministro Salomão, atuou como coordenador científico do evento.
Distratos
O primeiro painel do seminário, presidido pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, teve como tema “Distratos e leilões”. O magistrado apontou a relevância de se discutir a evolução legislativa e jurisprudencial sobre o tema, para que possam ser firmados entendimentos equilibrados e responsáveis sobre as políticas de distrato no setor imobiliário.
Em seguida, o ministro Moura Ribeiro apresentou um panorama da história do setor imobiliário, destacando as novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 em relação ao tema e a recente aprovação da Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato).
“O certo é que agora, como no passado, o país passou por uma forte crise de moradia que ensejou uma solução melhor do que aquela preconizada pelo Código Civil de 1916, que admitia, lamentavelmente, o arrependimento até a assinatura da escritura translativa da propriedade”, afirmou.
Moura Ribeiro lembrou precedente de sua relatoria (REsp 1.490.802) que reafirmou a tese segundo a qual a promessa de compra e venda gera efeitos obrigacionais adjetivados, que podem atingir terceiros, não dependendo, para sua eficácia e validade, de ser formalizada em instrumento público.
“Como consequência da limitação do poder de disposição sobre o imóvel prometido, eventuais negócios conflitantes efetuados pelo promitente-vendedor, tendo por objeto o imóvel prometido, podem ser tidos por ineficazes em relação aos promissários-compradores, ainda que atinjam terceiros de boa-fé.”
CDC
Moura Ribeiro afirmou que uma importante questão jurídica a ser resolvida é saber se a Lei do Distrato é ou não aplicável às relações de consumo, já que ela não modificou o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
“Essa observação é muito pertinente, porque se o comprador do imóvel na planta busca uma simples aplicação financeira, lucro, parece que em tais casos o CDC não merece incidência. Mas, e os consumidores, aqueles que adquirem imóvel na planta para uso próprio ou da família?”, questionou o magistrado.
O painel teve ainda exposições do vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi/RJ), João Paulo Matos; do economista-chefe e diretor do Secovi/SP, Celso Petrucci, e do advogado Marcelo Terra.
Cláusula penal
No painel intitulado “Sanção por simetria: pressupostos, limites e cumulação”, o ministro Villas Bôas Cueva destacou aspectos teóricos discutidos pelos julgadores nos Temas 970 e 971 dos repetitivos.
Ele mencionou a mudança de entendimento sobre a cláusula penal no sistema do common law quando do julgamento do caso Cavendish x Talal El Makdessi, em 2015, no qual a Justiça inglesa discutiu a validade das cláusulas penais nos contratos. Segundo o ministro, nesse julgamento concluiu-se que a teoria monista não fazia sentido para a relação discutida.
Villas Bôas Cueva abordou a questão sob o ponto de vista da análise econômica do direito, afirmando que, nesse prisma, a inserção da cláusula penal no contrato pode ser interpretada como sinalização de idoneidade, uma “oferta de reféns” – no termo utilizado pela doutrina para exemplificar a garantia de quem vende o bem sob contrato.
Relevância social
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que o tema é de grande relevância social, pois, além de envolver uma relação de consumo, trata do direito à moradia, e as controvérsias sobre essa matéria são frequentes no Judiciário.
“Dos três mil processos que discutem direito material mapeados em um estudo que fizemos, cerca de 400 tratam do direito imobiliário, com predomínio de questões como atrasos, devoluções, inadimplemento e comissão”, informou Sanseverino.
A advogada Erika Calheiros defendeu a manutenção da cláusula da irretratabilidade nos contratos. Para ela, afastar a regra com base no CDC é perigoso, já que a cláusula foi pensada justamente para proteger o consumidor.
O advogado Antônio Ricardo Corrêa sugeriu uma revisão da Súmula 543 do STJ. Ele afirmou que magistrados de primeira e segunda instâncias estão aplicando a súmula de forma “indiscriminada”, e que a questão deve ser revista, pois causa sérios problemas às incorporadoras.
O painel foi moderado pelo ministro Luis Felipe Salomão, que destacou a pluralidade de visões sobre o tema como uma forma salutar de auxiliar os ministros no julgamento das teses.
Verba do Fates não deve ser partilhada com associado que se retira da cooperativa
O Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (Fates) – obrigatório para as sociedades cooperativas – é indivisível, e por isso não pode ser partilhado com o cooperado excluído ou que se retira do seu quadro social.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma cooperativa para restabelecer a sentença e afastar a partilha dos recursos do Fates com pessoa que saiu da associação.
No caso analisado, a associada se retirou da cooperativa em 2005 e ajuizou ação declaratória cumulada com apuração de haveres, alegando ter direito ao pagamento de sua cota de participação atualizada, incluindo a evolução da cota do Fates no período em que foi cooperada.
Na sentença que julgou o pedido improcedente, o juiz afirmou que a verba do Fates não poderia ser partilhada. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) deu provimento à apelação, entendendo que o caráter indivisível do Fates somente perdura enquanto for mantida a relação entre associado e cooperativa, sendo devido o pagamento no momento da retirada.
Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso no STJ, a verba é indisponível e não pode ser partilhada, mesmo nos casos de exclusão ou retirada do associado da cooperativa.
“Não é plausível que, na apuração de haveres por retirada de cooperado, este perceba cota-parte que compõe o Fates, já que a natureza do fundo não se transmuda ou se transforma pela retirada ou exclusão de associado, que é um direito potestativo e irrestrito, porém, submetido às regras do sistema cooperativista”, declarou o ministro ao ressaltar que o percentual pago ao Fates não é disponível, e seu destino independe da vontade dos cooperados.
Legislação específica
O ministro afirmou que o artigo 28 da Lei das Cooperativas dispõe a respeito da obrigatoriedade do recolhimento do Fates, com o fim de possibilitar a prestação de assistência aos associados e seus familiares.
Villas Bôas Cueva explicou que, embora o Código Civil tenha artigos específicos para tratar das sociedades cooperativas, não há regramento acerca da verba destinada ao Fates, permanecendo válida a disposição do inciso VIII do artigo 4º da Lei das Cooperativas, segundo o qual o fundo é indivisível.
“Não há falar em revogação tácita da natureza do Fates pelo Código Civil de 2002, que, ao silenciar acerca do mencionado fundo, manteve incólume a regra da indivisibilidade prevista na lei especial, como acertadamente analisado por abalizada doutrina”, asseverou o ministro ao citar os juristas Arnoldo Wald e Waldirio Bulgarelli.
Leia o acórdão.
Perda de cargo como efeito da condenação só pode atingir aquele ocupado na época do crime
Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o cargo público, a função ou o mandato eletivo a ser perdido como efeito secundário da condenação – previsto no artigo 92, I, do Código Penal – só pode ser aquele que o infrator ocupava à época do crime.
Com base nesse entendimento, o colegiado concedeu habeas corpus para reduzir as penas e afastar a determinação de perda do cargo efetivo de duas servidoras públicas municipais condenadas pela prática do crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), cometido quando ocupavam cargo comissionado.
“A perda do cargo público, por violação de dever inerente a ele, necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o envolvido da função para a prática do delito. No caso, a fundamentação utilizada na origem para impor a perda do cargo referiu-se apenas ao cargo em comissão ocupado pelas pacientes na comissão de licitação quando da prática dos delitos, que não guarda relação com o cargo efetivo, ao qual também foi, sem fundamento idôneo, determinada a perda” – afirmou o relator, ministro Sebastião Reis Júnior.
Cargos comissionados
A controvérsia envolveu duas escriturárias efetivas que foram nomeadas para assumir o cargo de membro em comissão de licitação da prefeitura onde trabalhavam.
Nessa atividade, teriam participado de um processo fraudulento de licitação, pelo que foram condenadas a dois anos e quatro meses de detenção, no regime aberto, além da perda do cargo efetivo. O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença sob o fundamento de que a legislação impõe a perda do cargo público.
No habeas corpus apresentado ao STJ, as impetrantes alegaram que os efeitos da condenação sobre o cargo público deveriam se restringir àquele exercido quando da prática criminosa, desde que relacionado a ela – no seu caso, o cargo comissionado de membro da comissão de licitação.
Entendimento pacífico
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, o acórdão do tribunal paulista contrariou entendimento pacífico do STJ no sentido de que a perda de cargo, função ou mandato só abrange aquele em cujo exercício o crime foi cometido, e não qualquer outro de que o réu seja detentor.
O relator reconheceu constrangimento ilegal na questão do cargo e também em relação à dosimetria da pena.
“A jurisprudência desta corte tem consolidado entendimento na linha de que eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo a sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente”, destacou.
Além disso, o ministro observou que é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base, como estabelecido na Súmula 444 do STJ.
Ao conceder o habeas corpus, a turma decidiu que, quanto ao crime do artigo 90 da Lei de Licitações, a pena-base deve ser estabelecida no mínimo legal, afastada a perda do cargo público efetivo. Com a redução da pena, foi alterado o prazo de prescrição – o que resultou na extinção da punibilidade.
Leia o acórdão.
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